Ver, Ouvir e Sentir Raul Seixas

Cerca de 15 minutos antes da sessão e a sala começa a se encher. É um documentário, gênero pouco quisto pelo expectador brasileiro, e o filme já está em cartaz há uma semana; mesmo assim o público é grande e as fileiras ficam quase todas lotadas. “Por isso que eu gosto de maconha: um tapinha e a gente relaxa por umas três horas”, comenta alguém na fila de trás. “É sério, tem uma ladeira lá onde o carro sobe sozinho. Só soltar o freio de mão e ele vai subindo”, retruca um outro, referindo-se à cidade de São Tomé das Letras. São jovens e senhores, mas também crianças, muito provavelmente levadas pelos pais, burlando a classificação de 14 anos, para que assim conheçam o grande ídolo de suas juventudes.

Dá-se início à sessão e então são mais de duas horas de silêncio entre a plateia, entrecortado apenas pelos risos diante de depoimentos amalucados de Raul Seixas e das histórias igualmente insanas narradas vez ou outra pelos amigos entrevistados no decorrer do longa. E então vem a cena espantosa – não na tela, mas entre os espectadores: acaba-se o filme, sobem os créditos e ninguém se ergue de sua poltrona. Ficam todos sentados a ouvir Gita e a observar a infinidade de nomes que desfilam tela acima sobre um fundo negro. Os projetores são desligados, as luzes se acendem e um aplauso emocionado se inicia, com pessoas gritando o nome de Raul aqui e acolá, diante da tela apagada em uma mera sala comercial.

Raul não morreu. Não há outra maneira de se falar do pai do rock nacional se não plagiando os eternos fãs do rei do rock mundial: assim como Elvis, Raul Seixas não morreu. O baiano continua vivo em cada um de seus sósias, em cada um de seus fãs-seguidores, em suas músicas e agora mais ainda com este excelente filme do diretor Walter Carvalho: “Raul – o Início, o Fim e o Meio (Brasil, 2012).

Walter Carvalho durante entrevista com Caetano Veloso

No decorrer do longa, transitam pela tela vários amigos e familiares de Raul, jornalistas, fãs, estudiosos e as mulheres do músico – muitas mulheres. Estão presentes o escritor Paulo Coelho, os produtores Solano Ribeiro e Nelson Motta, o jornalista Pedro Bial, os músicos Tom Zé, Caetano Veloso e Júlio Medáglia, entre tantos outros famosos e anônimos que, de alguma forma, estiveram presentes na vida do roqueiro baiano.

Durante a produção (durou três anos) foram realizadas 94 entrevistas, das quais 54 estão no longa. Mais de 400 horas de gravações, as quais foram magistralmente editadas e montadas nas pouco mais de duas horas de duração do filme, mostrando não apenas a carreira, mas também a vida pessoal e amorosa de Raul Seixas, além do legado que ele deixou e que ainda hoje arrasta multidões de fãs – fãs, estes, que também estão presentes no documentário, entoando em coro algumas canções do ídolo.

Com O Início, o Fim e o Meio, Walter Carvalho não tenta endeusar Raul. Trata-o como mito, é verdade, e, como mito, também não tenta explicá-lo. Mas ao mesmo tempo, exibe um Raul homem, careta e maluco, amoroso e mulherengo, celebridade e decadente. Aborda as drogas de maneira seca, sem preconceitos, como parte do dia-a-dia do cantor: éter, álcool, cocaína e tantas outras; todas apresentadas pelo amigo Paulo Coelho, que em momento algum se mostrou arrependido por isso.

O que se vê na tela são pessoas entusiasmadas em falar sobre o roqueiro, deleitosas em contar alguma experiência que viveram com Raul. De todos os contatados por Walter Carvalho, a única que não quis ceder entrevista foi Edith, a primeira esposa do astro. Mesmo assim seu depoimento e sua recusa estão presentes no filme, em uma carta lida via Skype pela filha de Raul que mora nos Estados Unidos. As demais mulheres expõem um Raul conquistador e apaixonado. E nenhuma delas esconde o afeto e a saudade que ainda sentem por ele, mesmo quando contam sobre as traições e o fim do relacionamento. “Ele tinha um hálito doce”, comenta uma delas, saudosista. “Ele cheirava à flores”, suspira uma de suas amantes.

Entre materiais inéditos (como gravações de quando Raul tinha apenas 9 anos) e depoimentos emocionados, a sensação do espectador não é apenas de rever o ídolo e ouvi-lo cantar, mas também sentir… sentir o quão importante ele foi para o cenário musical da época e para a cultura do país. Toca Raul!!!

2 respostas em “Ver, Ouvir e Sentir Raul Seixas

  1. Eu assisti ao documentário tambem, mas não tive a oportunidade de ver uma cena como a que você falou, que deve ter sido um momento bem… Épico.
    Quando eu assisti aqui em Salvador, poucas pessoas estava na sala, o cinema era pequeno e distante, mas como você falou, não houveram muitas conversas paralelas, apenas atenção e risadas no momento certo.
    Ao fim do filme as pessoas demoraram para se levantar, ficaram encarando os créditos e quando sairam de suas cadeiras, demoraram-se em pé, observando os nomes. Não foi uma cena tão emocionante como descreveu, mas eu pude sentir algo estranho no ar, uma mistura de saudade e respeito, como quando se termina de ler um livro muito bom.
    Cantarolar musicas do Raul por todo o caminho de casa pareceu uma obrigação depois disso.

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    • Bom saber que o que eu presenciei não foi um fato isolado. Sinal de que o filme realmente comove e que o tema ainda interessa a muitos.

      E eu também cantarolei músicas do Raul no caminho de volta e ouvi seus discos o resto da noite! hehe

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