A biografia idólatra de Silvio Santos

silvio-santosUma coluna social de quase 300 páginas. Assim pode ser definida a nova biografia de Silvio Santos, escrita pelas então estreantes Márcia Batista e Anna Andrade. Publicada em 2017 pela Universo dos Livros, a obra é um compilado de histórias rasas, escritas em um estilo amador e que não trazem nada de novo sobre a vida do comunicador – além de muito, mas muito puxassaquismo.

Ainda que Silvio e sua família tenham uma vida discreta fora dos palcos, o que se espera de uma biografia é que o texto traga informações íntimas, memórias do protagonista ou, no mínimo, uma cronologia detalhada dos fatos públicos, contextualizados de alguma maneira. A obra de Márcia e Anna, no entanto, passam longe desse formato e, do Silvio em si, traz muito pouco. O material é dedicado muito mais à história do SBT e do Grupo Silvio Santos que ao apresentador e sua personalidade.

O livro é iniciado com um fato marcante na vida do comunicador. Talvez com a intenção de prender a atenção do leitor logo no primeiro instante, as autoras dedicam o primeiro capítulo ao sequestro de uma das filhas de Silvio, Patrícia Abravanel, e o posterior cativeiro de toda a família, ocorrido 2001. O texto, no entanto, segue supérfluo, sem trazer nenhuma novidade sobre o fato, apenas o que já havia sido difundido em jornais da época. E o que era para ser uma abertura chamativa acaba por se tornar o prelúdio do que viria pela frente: um apanhado de informações rasas, comprimidas e abarrotadas de julgamentos pessoais (todos exageradamente positivos), elogios rasgados e idolatria à figura do empresário.

A partir daí, o texto salta no passado e tenta narrar de forma cronológica a história de Silvio. O período entre as décadas de 1930 e 1950 são os mais interessantes da obra, trazendo ao público um pouco da infância e da adolescência do então jovem Senor Abravanel, suas influências e seus primeiros passos no mundo dos negócios. Mas nada aprofundado e tudo muito pouco contextualizado.

A partir dos anos 1950, a vida pessoal é deixada de lado e o texto envereda pela carreira profissional e, posteriormente, a estruturação e história das emissoras de televisão. A superficialidade chega ao cúmulo de condensar temas importantíssimos da carreira do comunicador em apenas poucas páginas. Assuntos ocorridos entre 1960 e 1975, como a formação do Baú da Felicidade, o primeiro programa de TV de Silvio, a criação do Programa Silvio Santos, o lançamento do Festival da Casa Própria e a fundação das primeiras empresas do Grupo Silvio Santos são resumidos em apenas oito páginas. Frisando: 15 anos da vida do maior comunicador do país são resumidos em apenas quatro folhas.

Ainda mais superficial é o tratamento dado a um dos fatos mais importantes da vida de Silvio: a crise financeira do Banco Panamericano, que quase o levou a falência em 2009. Todo o processo é resumido no livro em apenas dois parágrafos!

As autoras parecem considerar os 90 anos de vida do biografado como uma sucessão de fatos desimportantes pois, não bastasse comprimi-los, ainda fogem totalmente do título do livro e dedicam um capítulo inteiro à vida da cantora e apresentadora Hebe Camargo.

A superficialidade é apenas um dos problemas do livro. Outra grave questão é a qualidade do texto, recheado de maneirismos de linguagem e muitos elogios ao “patrão”. A primeira questão se entende facilmente, afinal foi o primeiro livro das autoras. Uma delas, Márcia Batista, assumiu o fato diante do próprio Silvio, no palco de seu programa dominical. Já os julgamentos de valor são tantos que tiram totalmente o prazer da leitura. Chega-se um ponto em que o leitor começa a se indagar se o livro é mesmo independente ou foi publicado a pedido da assessoria de comunicação do próprio Silvio Santos.

Ao narrar (em dois parágrafos) o processo de venda do Banco Panamericano, explicam que o Fundo Garantidor de Crédito assumiu a maior parte da dívida, por considerar que a recuperação da instituição seria um bem para o sistema financeiro nacional. Sem titubear, as autoras concluem dizendo: “afinal, para além de um banco importante para o Brasil, era o banco do Silvio Santos.”

Os elogios são tão constantes e descarados, que o próprio apresentador desdenha do conteúdo do livro em seu programa, agindo de forma abertamente cínica diante de uma das autoras: “Como você conseguiu tantas informações se você não falou nenhuma vez comigo? É bom o livro, mas só tem elogios.” E pra desespero da autora, fazendo referência a outra biografia, Silvio sentencia: “Esse aqui foi copiado do Arlindo Silva.”

Aos 90 anos de idade, o maior comunicador da história do Brasil merece mais que simples colunismo social.

Ficha técnica:

Título: Silvio Santos – A Biografia
Autores: Marcia Batista e Anna Medeiros
País: Brasil
Ano: 2017

70 Anos da TV Brasileira!

Valei-me, Santa Clara, que hoje sua afilhada brasileira completa 70 anos.

Desde 18 de setembro de 1950, apesar da idade avançada, a rainha das múltiplas faces mantém-se jovem em solo nacional. Referência mundial em teledramaturgia e vídeo-publicidade, sempre nas mãos dos magnatas, servindo aos poderosos, mostrando o que lhe convém e, vez por outra, alguma verdade.

Nasceu com nome de etnia indígena, mas suas raízes sempre foram americanas e europeias. Cresceu em glamour diante das telas brilhantes dos espectadores, mas precária e amadorísticas nos bastidores dos estúdios. Evoluiu darwinisticamente sob a bênção dos generais – aqueles mesmos que ela própria viria a ajudar na derrubada 20 anos depois. Saiu das torres para os cabos e dos cabos para o espaço. Foi tomada pelas crenças divinas de sacerdotes da riqueza mundana e do poder terreno. Chegou às mais distantes e recônditas florestas, onde casinhas isoladas passaram a prezar mais pela espinha de peixe do teto, do que o espinho do peixe no prato. Tornou-se digital, adaptou-se à internet e, apesar da grade ainda rígida, aprendeu a ser sob demanda, com seus programas disponíveis a qualquer hora e qualquer lugar. E ainda caminha por aí, poderosa entre poderosos (mais poderosa ainda entre os não poderosos).

Portanto Viva a Televisão Brasileira, dos Chateaubriand, dos Marinho e dos Abravanel, dos Saad, dos Bloch e do Reino de Deus!

(E eu completo 14 anos estudando essa maravilha que, apesar de ter sido criada lá fora, se tornou a mais brasileira das invenções – tirando futebol, claro).

Chapulin – O Maior Herói Latino

Caixa ChapulinCriado, em 1970, pelo dramaturgo e ator mexicano Roberto Gomez Bolaños – eternizado por seu personagem El Chavo – o super-herói Chapulin Colorado possui, de maneira bem humorada, um teor caricato e crítico, totalmente contrário ao estereótipo padrão dos super-heróis lendários da TV, do Cinema e dos Quadrinhos. Fora feito para ser cômico, porém carregava consigo um discreto teor político que refletia aquele momento histórico vivido pelos mexicanos e, de modo geral, por toda a América Latina.

O Polegar Vermelho, como foi traduzido no Brasil, perdia em beleza, força e astúcia, porém ganhava em carisma e humildade. Não possuía uma identidade secreta. Chapulin era Chapulin todo o tempo, com seu uniforme vermelho, estampado com o símbolo universal do amor: um singelo coração amarelo.

A escolha do uniforme vermelho para o personagem Chapulin não fora premeditada. A emissora possuía em seu almoxarifado apenas quatro cores de tecido: preta, branca, azul e vermelha. Para Bolaños, o preto era extremamente negativo e triste, enquanto para os técnicos, o uso de branco e azul eram inadmissíveis – com o equipamento precário, o branco estourava a luz e ofuscava a imagem, enquanto o azul tornava inviável o uso do chromakey. Restava então o vermelho. O inusitado super-herói até então se chamaria El Chapulín Justo (O Gafanhoto Justiceiro, em tradução livre), porém, com o uniforme escarlate, surge o título “Colorado”, que em espanhol significa literalmente “vermelho”.

gafanhoto vermelhoOs chapulíns (palavra de origem nahuatl, o idioma asteca) são insetos comuns no México, usados inclusive na alimentação e dão nome a alguns lugares, como a colina Chapultepec (Colina do Gafanhoto), na região central da Cidade do México. Como Bolaños queria que seu herói fosse estritamente nacional, escolheu o inseto mais famoso do México para caracterizá-lo.

Talvez como uma paródia ao S do Superman americano, Bolaños acrescentou ao uniforme a inicial do personagem, a letra “che”. Em espanhol e em vários idiomas nativo-americanos, CH é considerado uma única letra. A letra “che”, diga-se de passagem, é a inicial de todos os personagens criados por Bolaños (Chabo, Chapatin, Chanfle, Charrito, Chompiras, Chaparron etc), a mesma inicial de seu apelido, Chesperito, o pequeno Shakespeare.

Chapulín Colorado trazia em suas histórias uma forte crítica ao imperialismo norte-americano, fazia piada dos vizinhos ricos e, de maneira caricata, abordava com frequência as influências externas na política latino-americana. O humor parece ingênuo, mas suas esquetes possuem um quê político e uma identidade tal, que transformou o atrapalhado Gafanhoto Vermelho no grande herói de toda a América Latina.

Não à toa, Chapulin possui várias referências à cultura e à história norte-americana, tratando-a sempre de maneira caricata, como em seus episódios sobre o Velho Oeste, a Guerra Civil Americana ou fazendo referência a clássicos filmes de Hollywood.

Enquanto as grandes editoras norte-americanas de quadrinhos – a DC Comics e a Marvel – dão ao público que a ideia de que ser um herói é algo inatingível e extraordinário, Bolaños aponta para o outro lado. A história de Chapulin é diferente de histórias onde os personagens, às vezes, possuem poderes para destruir todo o planeta e uma inteligência descomunal capaz de criar armas e veículos incompreensíveis ao leitor, além de enfrentar inimigos igualmente grandiosos. O pequeno gafanhoto vermelho é mais humilde e pau pra toda obra. Ele surge não apenas para enfrentar vilões, mas também para solucionar problemas cotidianos, como dar conselhos ao garotinho mimado que mente para os pais, resolver a situação de um casal que pode ser despejado por não pagar o aluguel, proteger um hotel da possível invasão de um criminoso, entre outras situações tão comuns para quaisquer cidadãos.

Os episódios em que o personagem Super Sam (interpretado por Ramón Valdez) entra em cena são, com certeza, os que possuem as críticas mais explícitas. Super Sam é uma paródia do ícone estadunidense, o Tio Sam. O personagem usa a roupa do Superman e uma cartola com as cores norte-americanas; tem como arma dois sacos de dinheiro e seu bordão de vitória é chavão de Wall Street: “Time is Money, oh yeah!” A maior curiosidade, porém, é que ele aparece sem ser chamado. Os personagens em perigo esperam por Chapulin e se decepcionam ao ver Super Sam, que está pronto para resolver problemas à sua maneira, unilateralmente, numa explícita referência à política externa dos Estados Unidos.

Chapolin1Enquanto Superman, Capitão América, Homem-Aranha e alguns outros possuem as cores da Revolução Francesa e do Sonho Americano, Chapulin Colorado traz consigo o vermelho da revolução latino-americana, mesmo que seu uniforme tenha sido composto ao acaso da necessidade. Enquanto os heróis da Marvel e DC se distanciam dos reles mortais, tornando-se cada vez mais poderosos, Chapulin Colorado poderia ser qualquer um de nós: um homem comum, cujo maior poder é a honestidade e a boa vontade em ajudar.

A verdade é que o personagem criado por Bolaños foi o último grande herói do mundo. Depois dele, não houveram outros. Homem-Aranha, X-men, Homem de Ferro, Capitão América, Batman e Superman surgiram entre 1938 e 1963. Chapulin foi criado em 1970, possui apenas algumas poucas histórias, compostas há mais de 40 anos, que nunca foram renovadas e que ainda hoje fazem sucesso na TV de dezenas de países. O mundo realmente não contava com sua astúcia!

Leia também o “Adeus, Chespirito…“.

Adeus, Chespirito…

ChespiritoQuando ele subiu ao palco pela primeira vez, muitos que hoje o idolatram sequer tinham nascido. E agora que ele se foi, muitos que ainda hão de nascer já chegarão ao mundo como órfãos do pequeno Shakespeare mexicano.

Roberto Gomez Bolaños era um latino-americano como cada um de nós. Estava na periferia do Ocidente, ao sul do Primeiro Mundo. Não havia em sua terra o mesmo poder que se estendia ao norte de suas fronteiras. Os personagens que criou como dramaturgo e escritor não poderiam ser diferentes dessa acepção, teriam de vir da mesma simplicidade, falar diretamente com o povo e mostrar que era possível ser feliz em meio ao pouco que possuíam.

E assim foi surgindo a ingênua, porém grandiosa trama de seus personagens, que aos poucos se emaranhou ao cotidiano daquele país, ultrapassou suas fronteiras e envolveu o mundo. Não eram produções de grande qualidade técnica e estavam muito longe do glamour hollywoodiano. Porém eram sinceras, comoventes, envolventes e divertidas: a linguagem certa para se identificar com o público latino.

El Chavo del Ocho era um garoto pobre que se escondia em um barril. Seus companheiros eram uma viúva pobre e orgulhosa e seu filho arrogante, um senhor desempregado e sua filha pentelha, uma solteirona velha e apaixonada, um professor desconsolado com sua turma, um carteiro preguiçoso e um generoso e gordo senhorio, dentre todos, o menos pobre. Existia ali, dentro do seriado que saiu do México e ganhou o mundo, uma lição que seria ensinada por gerações: dentre tantas brigas, dentre tanta frustração, em meio a tanta pobreza, há sempre um espaço para felicidade. El Chavo ensinou ao mundo que um sanduiche de presunto tem um valor inestimável, que a honestidade está acima do orgulho e que amizades estão acima de classes sociais.

chapoline201Apesar de ter El Chavo como seu personagem mais famoso, é com Chapulin Colorado que Bolaños mais mostrou sua genialidade. O ideal de Chapulin batia de frente com o imperialismo norte-americano e parodiava os “deuses” invencíveis das HQs ianques. Era um personagem tonto, desastrado e medroso, sem dinheiro e sem recursos. Mais atrapalhava do que ajudava. Mas sabia superar seus medos, sabia ter compaixão por seus inimigos e enfrentava seus problemas, mesmo que da maneira mais inusitada. Chapulin é a necessidade do povo latino-americano de ter um herói próprio, de mostrar que não precisa de ajuda externa e isso fica bem claro nos episódios em que Chapulin contracena com Super Sam – o herói claramente americano, à imagem do simbólico Uncle Sam: enquanto Chapulin só aparece quando é chamado, Super Sam está sempre por ali, pronto a ajudar mesmo quando ninguém o quer por perto. Se há aqui alguma semelhança com a política externa dos Estados Unidos, ela é totalmente intencional.

Há muito mais nas esquetes criadas por Bolaños do que simplesmente o humor infantil. Havia uma crítica social, uma inspiração política, um desdém àqueles que se propunham superiores. El Chespirito, o pequeno Shakespeare, provou que a humildade pode desbancar qualquer soberba; que existem ouvidos para a voz dos latinos; e que o mundo é pequeno para um garoto que oito anos, cujo lugar mais longe que visitou foram as praias de seu próprios país.

Os programas criados por Bolaños foram traduzidos para mais de 50 idiomas em todo o mundo e ainda hoje, 45 anos após sua estreia, é regularmente transmitido em mais de 20 países.

Sem querer querendo, Roberto Gomez Bolaños arrebatou os corações de centenas de milhões de pessoas, arrancou-lhes risos e lágrimas e deu-lhes esperança em um mundo melhor.

Se me permitem fugir à formalidade do texto, preciso dizer que cada letra aqui escrita foi regada a lagrimas do mais puro saudosismo. Desde minha infância, Bolaños foi o sujeito que mais quis conhecer na vida, apenas para um aperto de mão e um agradecimento. Ele arrancou risos dos meus avós, dos meus pais e de mim, e com certeza arrancará risos dos meus futuros filhos e netos, caso venha tê-los algum dia.

“Prometemos despedirmos
sem dizer adeus jamais,
pois haveremos de nos reunirmos
muitas, muitas vezes mais.”

Vai-te em paz, Chavinho. Dentre tantos risos, hoje finalmente você me arrancou lágrimas.

Leia também “Chapulin – O Maior Herói Latino

O Boicote à Globo e os Revolucionários de Mesa de Bar

“A Globo mente”, “a Globo manipula”, “a Globo aliena”, “a Globo não presta”… essas e outras frases tornaram-se comuns de uns tempos para cá na internet. É fácil ver pessoas usando as redes sociais para exporem suas revoltas contra a Rede Globo, a TV aberta brasileira ou as mídias de massa em geral. Entra ano, sai ano e o discurso dos revolucionários de mesa de bar é sempre o mesmo: “eu não assisto TV aberta por N fatores!” E assim se vangloriam, se colocam acima dos demais, como se, ao negar este passa-tempo, estivessem realmente fazendo um bem à sociedade ou à si mesmos. E, diante de tantos problemas no país, eis que surge, na última semana, uma inocente (para não dizer ‘ignorante’) campanha de boicote à Rede Globo. E coloca inocente nisso!

Que a TV é cheia de inutilidades, isso não dá para negar. Realmente existem programas horríveis, baixaria, imoralidades, promiscuidades, jornalismo tendencioso e diversos outros defeitos. Mas onde não encontrar tais problemas? A literatura, a rádio, o cinema e, principalmente, a internet estão cheios de coisas deste tipo. Temas, aliás, que sempre existiram e sempre existirão, independente da época, do lugar, ou da mídia predominante. Caberá sempre ao espectador/usuário escolher.

Eis que, diante da última polêmica da TV, o suposto estupro do Big Brother Brasil – que, diga-se de passagem, não contou com acusação da própria vítima – alguns internautas se mobilizaram e começaram uma campanha para boicotar a Rede Globo. E daí surge a pergunta: porque somente a Globo? Não, a intenção aqui não é defender a Globo, mas abranger horizontes e apontar erros, tanto da tal campanha quanto dos pseudo-revolucionários que a criaram ou que a ela aderiram ignorantemente.

Mas, antes de mostrar o porquê da inocência da campanha, vamos esclarecer alguns fatos que os militantes anti-TV parecem desconhecer.

A TV brasileira – já uma senhora de 62 anos, muito mais velha que as de muitos países europeus, asiáticos e latino-americanos – é considerada uma das melhores do mundo. Não, não é exagero. Nossas produções dramatúrgicas são as mais premiadas lá fora; nossas séries telejornalísticas são indicadas em diversos festivais ao redor do globo; e até nossa publicidade é líder nos festivais lá de fora.

Mesmo assim, ouve-se por aí que a TV aberta no Brasil “não presta”. Então fica a pergunta: a TV fechada “presta”? Canais como NatGeo, Discovery e History Channel passam documentários extremamente tendenciosos e sensacionalistas sobre alienígenas, apocalipses, maçonaria, Illuminatis modernos e diversas outras babaquices, apresentando-se, cada qual, como se fosse a verdade absoluta! Até mesmo programas sobre História, como alguns da Segunda Guerra, abordam vieses absurdos que, com um mínimo de senso crítico, são facilmente rebatidos. E se nossas novelas são alienadoras e inúteis, o que são os enlatados americanos da Fox, Warner, Sony ou Universal? Com certeza são de cunho altamente moral e cultural e totalmente compatíveis com a nossa realidade, não?

E se a nossa TV é tão ruim assim, o que dizer das emissoras lá de fora? Possuem a mesma programação e o mesmo estilo. Caso não saibam, nenhum dos atuais reality shows – BBB, Lar Doce Lar, Lata Velha, Acorrentados, A Fazenda etc – são criações brasileiras. Todos são programas importados ou copiados. Alguns da Europa, outros dos EUA. Até mesmo as mais clássicas atrações do genial Silvio Santos são cópias exatas de velhos programas norte-americanos, como Roda a Roda, Show do Milhão, Topa ou não Topa, Qual é a Música… Ou seja, lá fora têm a mesma programação que temos aqui.

Outro argumento usado é o jornalismo tendencioso e, por muitas vezes, mentiroso. Dois erros não fazem um acerto, no entanto desde que Gutenberg criou a prensa, os jornalistas publicam apenas aquilo que lhes convém! Não apenas a imprensa televisiva, mas também a radiofônica e a digital são tendenciosas. Tendo as TVs abertas uma concessão pública para se manterem no ar, acham mesmo que elas iriam desagradar os governantes, os mesmos que detêm o poder de cortar-lhes o sinal? Dizer que mentem é difícil, mas é certo que omitem muito daquilo que lhes convém. Suas existências dependem disso, seja Globo ou SBT, Record, Band ou RedeTV!. Agora, voltando àqueles que dizem não assistir TV aberta: que telejornalismo devem assistir entre os canais fechados? Record News? Band News? Globo News? Não, não há ingenuidade nestas perguntas, pois já é fato sabido que muitos responderão buscar informações na internet. Talvez no G1 ou no R7.

Alguns dizem que a TV aliena, que a programação sem conteúdo satisfatório amolece o cérebro e impede que o telespectador desenvolva o pensamento. Ora, quem não está com a TV ligada, está passando o tempo onde? No Facebook, com seus milhões de Luizas que estão no Canadá? Ou no Twitter, divulgando inutilmente suas opiniões e pensando fazer uma revolução só porque colocaram uma hashtag no topo da lista de discussões? Se a TV inibe o pensamento, as redes sociais geram pensamentos inúteis.

Pois bem, dada essa rápida resolução, voltemos à focar na campanha citada inicialmente e à pergunta: porque a Globo? Se há conteúdo de má qualidade em todos os setores e mídias e, mesmo tendo escolha, o povo sempre busca as inutilidades, porque é sempre a Globo que é pega para Cristo e condenada acima das demais? Estas perguntas são extremamente pertinentes diante de programas como Pânico e Brothers (RedeTV!), Domingo Legal, Ratinho e os extintos Sabadão e Cockteil (SBT), A Fazenda e Gugu (Record) e Brasil Urgente (Band). Então, alguém sabe responder porque o ódio à Globo se destaca?

Outro ponto importante e que poucos parecem conhecer é com relação ao decreto de 1963 (que se tornou lei com a constituição de 1988), que exige que toda a operadora de radiodifusão do país tenha, no mínimo, 5% de sua programação voltada para cultura, informação e educação. Vocês sabiam, caros revolucionários, que todas as emissoras burlam esta lei, aproveitando de suas brechas e colocando no ar apenas noticiários, não importando se são tendenciosos ou sensacionalistas? Das 5 grandes emissoras abertas no Brasil, a Globo é a única que cumpre a lei, colocando no ar programas como Globo Universidade, Globo Ciência, Globo Ecologia, Ação, Globo Rural e Tele Curso 2000, além das pequenas e constantes inserções das séries Sagrado, Globo Amazônia e Se Liga Brasil, feitas em parceria com o Canal Futura (que também pertence às Organizações Globo). Algum de vocês já assistiu  a programas deste tipo na Record, no SBT, na Band ou na RedeTV!?

A Pedra do Reino

E se ainda cabe uma defesa aberta à Rede Globo – contrariando aqueles que vêem apenas futilidades e inutilidades em sua programação – é preciso que se diga: em que outra emissora vê-se adaptações da literatura feitas com maestria, como O Auto da Compadecida, A Pedra do Reino, Os Maias e Memorial de Maria Moura? Ou ainda os premiadíssimos Hoje é Dia de Maria e Capitu?

Mesmo assim, a campanha contra a Globo (e somente contra a Globo) aconteceu durante toda a última semana e agendou o boicote para o dia 25 de janeiro, quarta-feira. O resultado foi óbvio: a campanha falhou! De acordo com os índices do Ibope, a média de audiência da Globo nesse dia foi de 15 pontos, o mesmo valor da terça-feira. Um movimento inútil entre os internautas e de extrema inocência, como já foi dito no início deste texto.

De acordo com dados do IBGE, apenas 35% da população brasileira possui acesso à internet, enquanto 95% dos domicílios possuem aparelho de TV. Agora, vamos deduzir quanto destes usuários de internet realmente sabem navegar e/ou participar das redes sociais: chutando alto, pode-se dizer que metade, ou seja, apenas cerca de 17,5%. Mesmo se todos estes aderissem ao boicote, isso sequer faria cócegas na audiência da TV aberta. Eis aí a inocência dos criadores da campanha. Ainda pode-se arriscar dizer que aqueles que aderiram ao boicote e não ligaram a TV na Globo no dia 25 de janeiro, foram apenas aqueles que normalmente já não assistem TV.

Hoje é Dia de Maria

Dizem que a facilidade de se conseguir informação e disseminar opinião nunca foi tão grande em toda a História. Difícil é entender que isso não é verdade. A internet não é um veículo de massa (ainda) e está longe de refletir a opinião do povo como um todo. É claro que, usando da rede, pode-se fazer estardalhaço e dar muita dor de cabeça a muita gente. Mas é só. Não mais que isso. E se você pensa que ataques a servidores do governo (como a guerra anti-SOPA) realmente resolvem algo, acredite, você está ledamente enganado. Como foi dito: cria-se muita dor de cabeça, nada mais.

O que o público insatisfeito com a programação deve saber é que a TV não controla sua programação. Quem controla a programação é o próprio público. A audiência é quem escolhe o que estará ou não no ar. Uma audiência ignorante clamará por programação ignorante. Se querem mesmo culpar alguém pelos males da nossa TV, culpem a parca educação deste país!

Agradecimentos ao Ígor, administrador do site Todo Canal, que gentilmente cedeu as informações sobre os índices de audiência desta semana.