Há 20 anos, um livro mudou minha vida!

Nos idos de 2001, quando a internet era ainda artigo de luxo e nem o Google era tão popular, eu dependia de revistas para me informar sobre as novidades do cinema, literatura, animes, jogos e outras nerdices. Leitor assíduo da Herói Magazine e da Henshin Brasil, me deparei com uma nota em uma dessas publicações, ainda nos primeiros meses daquele ano. Era um texto pequeno que ocupava poucas linhas de uma coluna. Já não tenho mais a revista, mas ainda me lembro, mais ou menos, do conteúdo que dizia algo assim: “Um cineasta totalmente desconhecido da Nova Zelândia, produtor de filmes de zumbis, será o responsável pelo maior épico da História do cinema. O diretor maluco (sim, a matéria o chamava de maluco) rodou três filmes com o orçamento de apenas um, no valor de 300 milhões de dólares. A trilogia é baseada no livro do escritor britânico J. R. R. Tolkien, chamado ‘O Senhor dos Anéis’”.
 
E era mais ou menos só isso. Se bem me lembro, não havia nem data de lançamento.
 
Dentre dezenas de produções que eu acompanhava todos os anos, aquela era apenas mais uma e, pelo teor do texto, eu deveria considerá-la totalmente sem importância. Entretanto, o título ficou em minha mente, encravado de uma forma que nunca antes havia acontecido. Parecia algo mágico, místico, um chamado que ecoava constantemente: “O Senhor dos Anéis!!! O Senhor dos Anéis!!!”
 
Naquela época, com 15 anos de idade, eu já era um leitor regular, frequentador assíduo da biblioteca da minha escola, mas nunca havia sequer cogitado comprar um livro até então. Na minha cidade natal, com seus 25 mil habitantes, nem mesmo havia uma livraria. Mas algo dentro de mim dizia que eu precisava ler aquele livro, do qual não conhecia nada além da nota na revista.
 
Comecei a pedir para os meus pais. Algo que hoje me é tão fácil, naquela época foi uma tremenda dificuldade. Procuraram nas cidades vizinhas e, por fim, mobilizaram os parentes da capital. Lá de Belo Horizonte, mais de 6 meses depois de ter lido a notinha da revista, me mandaram o livro que eu tanto queria ler. Chegou em janeiro de 2002. E então a grande surpresa: era um tijolo enorme, o maior livro que jamais vi na vida, mais de 10cm de lombada, 1202 páginas. Eu não esperava por um volume tão grande. Também não tinha idéia que a capa era uma imagem do filme que já havia sido lançado alguns dias antes, mas que eu nem sabia (só fui assistir ao primeiro filme em VHS, quase um ano depois da premiere).
 
Li! E reli o livro inteiro no mesmo ano. Sim, o li duas vezes em menos de 12 meses.
 
Comecei a usar a internet pela primeira vez. Eu precisava de mais!
 
E então me tornei membro da maior comunidade tolkieniana em língua portuguesa do mundo, a Valinor! Conheci centenas (literalmente centenas) de pessoas com quem aprendi muito, que se tornaram amigas fiéis, companheiras de festas, rivais em debates ferrenhos, referências em assuntos os mais variados.
 
Conheci outros livros do autor, li O Hobbit, O Silmarillion, Os Contos Inacabados (hoje já li quase 20 livros dele!)… mas eu precisava de mais!
 
Comecei a buscar as referências do autor e me apaixonei ainda mais por mitologias (nórdica, celta, grega, judaico-cristã, até sânscrita). E a mitologia me trouxe as constelações, e as constelações fizeram com que eu me apaixonasse por astronomia, e a astronomia me despertou para a astrofísica – fiz até curso livre da UFSC.
 
Mas eu precisava de mais!!! E comecei a consumir os filmes de forma tão ávida, que já os assisti (a trilogia completa) por mais de 40 vezes (perdi as contas depois da trigésima). E a paixão pelos filmes me fez ir atrás dos bastidores, making of e mais de 30 horas de documentários disponibilizados em DVD pelo próprio estúdio do diretor Peter Jackson. E conhecer sobre a produção fez com que eu me apaixonasse ainda mais por cinema e audiovisual. E essa paixão me fez estudar Televisão, me mudar para São Paulo para me graduar em Rádio e TV. E o amor pela Comunicação me trouxe para São João del-Rei para me graduar pela segunda vez, agora em Jornalismo.
 
E tudo isso por causa de um livro. Uma história que me abriu as portas para experiências até então inimagináveis. Mas não apenas um livro: um mundo, um universo completo! Uma mitologia inteira criada pela mente de um único homem. Tolkien me ensinou sobre amizade, humildade, perseverança, esperança, reciprocidade, nobreza, consequências… Tolkien me deu espelhos nos quais eu poderia me olhar: Sam, Beren, Aragorn, Frodo… Tolkien me deu conselheiros que eu nunca pude ignorar: Gandalf, Sador, Elrond, Galadriel…
 
Tolkien completaria 130 anos hoje, 3 de janeiro. E completa 20 anos presente em minha vida neste mesmo mês.
 
Vida longa à memória e à obra de John Ronald Reuel Tolkien!
 
E obrigado aos amigos que dividem essa paixão comigo. Nos veremos sempre no longínquo Oeste, nas terras de Valinor!
Folha de rosto do meu exemplar de O Senhor dos Anéis.

A biografia idólatra de Silvio Santos

silvio-santosUma coluna social de quase 300 páginas. Assim pode ser definida a nova biografia de Silvio Santos, escrita pelas então estreantes Márcia Batista e Anna Andrade. Publicada em 2017 pela Universo dos Livros, a obra é um compilado de histórias rasas, escritas em um estilo amador e que não trazem nada de novo sobre a vida do comunicador – além de muito, mas muito puxassaquismo.

Ainda que Silvio e sua família tenham uma vida discreta fora dos palcos, o que se espera de uma biografia é que o texto traga informações íntimas, memórias do protagonista ou, no mínimo, uma cronologia detalhada dos fatos públicos, contextualizados de alguma maneira. A obra de Márcia e Anna, no entanto, passam longe desse formato e, do Silvio em si, traz muito pouco. O material é dedicado muito mais à história do SBT e do Grupo Silvio Santos que ao apresentador e sua personalidade.

O livro é iniciado com um fato marcante na vida do comunicador. Talvez com a intenção de prender a atenção do leitor logo no primeiro instante, as autoras dedicam o primeiro capítulo ao sequestro de uma das filhas de Silvio, Patrícia Abravanel, e o posterior cativeiro de toda a família, ocorrido 2001. O texto, no entanto, segue supérfluo, sem trazer nenhuma novidade sobre o fato, apenas o que já havia sido difundido em jornais da época. E o que era para ser uma abertura chamativa acaba por se tornar o prelúdio do que viria pela frente: um apanhado de informações rasas, comprimidas e abarrotadas de julgamentos pessoais (todos exageradamente positivos), elogios rasgados e idolatria à figura do empresário.

A partir daí, o texto salta no passado e tenta narrar de forma cronológica a história de Silvio. O período entre as décadas de 1930 e 1950 são os mais interessantes da obra, trazendo ao público um pouco da infância e da adolescência do então jovem Senor Abravanel, suas influências e seus primeiros passos no mundo dos negócios. Mas nada aprofundado e tudo muito pouco contextualizado.

A partir dos anos 1950, a vida pessoal é deixada de lado e o texto envereda pela carreira profissional e, posteriormente, a estruturação e história das emissoras de televisão. A superficialidade chega ao cúmulo de condensar temas importantíssimos da carreira do comunicador em apenas poucas páginas. Assuntos ocorridos entre 1960 e 1975, como a formação do Baú da Felicidade, o primeiro programa de TV de Silvio, a criação do Programa Silvio Santos, o lançamento do Festival da Casa Própria e a fundação das primeiras empresas do Grupo Silvio Santos são resumidos em apenas oito páginas. Frisando: 15 anos da vida do maior comunicador do país são resumidos em apenas quatro folhas.

Ainda mais superficial é o tratamento dado a um dos fatos mais importantes da vida de Silvio: a crise financeira do Banco Panamericano, que quase o levou a falência em 2009. Todo o processo é resumido no livro em apenas dois parágrafos!

As autoras parecem considerar os 90 anos de vida do biografado como uma sucessão de fatos desimportantes pois, não bastasse comprimi-los, ainda fogem totalmente do título do livro e dedicam um capítulo inteiro à vida da cantora e apresentadora Hebe Camargo.

A superficialidade é apenas um dos problemas do livro. Outra grave questão é a qualidade do texto, recheado de maneirismos de linguagem e muitos elogios ao “patrão”. A primeira questão se entende facilmente, afinal foi o primeiro livro das autoras. Uma delas, Márcia Batista, assumiu o fato diante do próprio Silvio, no palco de seu programa dominical. Já os julgamentos de valor são tantos que tiram totalmente o prazer da leitura. Chega-se um ponto em que o leitor começa a se indagar se o livro é mesmo independente ou foi publicado a pedido da assessoria de comunicação do próprio Silvio Santos.

Ao narrar (em dois parágrafos) o processo de venda do Banco Panamericano, explicam que o Fundo Garantidor de Crédito assumiu a maior parte da dívida, por considerar que a recuperação da instituição seria um bem para o sistema financeiro nacional. Sem titubear, as autoras concluem dizendo: “afinal, para além de um banco importante para o Brasil, era o banco do Silvio Santos.”

Os elogios são tão constantes e descarados, que o próprio apresentador desdenha do conteúdo do livro em seu programa, agindo de forma abertamente cínica diante de uma das autoras: “Como você conseguiu tantas informações se você não falou nenhuma vez comigo? É bom o livro, mas só tem elogios.” E pra desespero da autora, fazendo referência a outra biografia, Silvio sentencia: “Esse aqui foi copiado do Arlindo Silva.”

Aos 90 anos de idade, o maior comunicador da história do Brasil merece mais que simples colunismo social.

Ficha técnica:

Título: Silvio Santos – A Biografia
Autores: Marcia Batista e Anna Medeiros
País: Brasil
Ano: 2017

Deixa o Sabino Falar!

A rotina de cada pessoa nunca é de fato rotineira. Em meio às situações repetitivas do dia-a-dia há sempre algo inédito, fatos diferentes que fogem do feijão-com-arroz. Seja algo simples, como ouvir a conversa de dois sujeitos à porta do restaurante ou no ônibus, a caminho do trabalho; ou na situação inusitada de uma mulher presa na sala de ginástica de um centro comercial onde você passou por acaso; ou ainda a quebra total da tranquilidade usual por um assaltante que leva seu carro – ainda que prometa devolvê-lo em breve.

Por mais que possam parecer inusitados e estranhos, momentos como esses podem acontecer – e realmente acontecem – com qualquer pessoa. A maioria, no entanto, os deixa passar sem nem sequer percebê-los ou registrá-los, sem nada deles aproveitar, nem que seja um risinho sarcástico ou uma lição de moral debochada.

Nosso próprio cotidiano pode nos ser descartável, mas olhar a rotina do mundo pelos olhos – ou melhor, pelas palavras – de Fernando Sabino é uma viagem inusitada pela mais descontraída das histórias: a vida!

Em Deixa do Alfredo Falar (1976), Sabino reúne algumas de suas crônicas publicadas em jornais e revistas ao longo das décadas de 1960 e 70. Ao todo, são 41 textos – curtos em sua maioria – que o próprio autor chama de “flagrantes do cotidiano”, despretensiosos e com tom anedótico.

Não dá pra saber ao certo se Sabino vivenciou ou ouviu falar sobre cada uma daquelas pequenas histórias – e nem é necessário. O importante é sua visão sobre elementos comuns da vida e sua crítica sutil a alguns deles. Assim, o autor mineiro consegue fazer graça com seus próprios vícios (com cigarro e uísque), sua estadia em um casarão mal assombrado durante o carnaval de Ouro Preto, suas experiências em Londres, ou mesmo seu dom para inventar coisas que já existem – ou que não têm nenhuma serventia.

Sua experiência com a arte do cinema é uma das melhores partes. Sem nenhuma intenção de ser cineasta, tornou-se roteirista, ganhou patrocínio e fez uma série de documentários. Entusiasmado com o mundo cinematográfico, escreveu uma comédia de ficção, entrou de cabeça nas discussões da produção e meses depois teve a surpresa de ver seu filme ser produzido sem ele ao menos ficar sabendo – o que o fez desistir da carreira.

As crônica selecionadas possuem um fino humor, muitas vezes tão sutil quanto a visão do autor em encontrar assuntos para escrever. O leitor não vai dar gargalhadas – não se engane com isso – mas se olhar com cuidado, vai ver ali uma lição de vida que poderia fazer parte da sua própria, ainda que pitoresca. Mas esse texto nem precisa se estender por mais linhas, afinal como diz o mineiro (e a capa do livro): “conversa de mais de dois é comício”, então deixa o Sabino falar!

Em Busca do Reinado e de Uma Fantasia Imparcial

Imagine um mundo pós-apocalíptico e falido, vítima da 3ª Grande Guerra Mundial, onde a água potável é um bem escasso, caro e altamente cobiçado pelas pessoas. Agora mude completamente sua imaginação e pense em uma terra inóspita, repleta de florestas e campos verdejantes, montanhas e rios abundantes. Mesmo que contraditórios e tão contrastantes, estes são os ambientes por onde se passa a aventura do jovem Bruno, protagonista do épico juvenil Em Busca do Reinado: O Diamante Azul, escrito por Juliano Reinert e publicado este ano pela Editora Pistis.

Escrito ao longo da última década, o livro mistura fantasia medieval com a temática ecológica, unindo o estilo tradicional da fantasia europeia com um futuro distópico de nosso próprio país. Nessa mistura sensata, Reinert nos apresenta Bruno… apenas Bruno: um jovem órfão de guerra, sem sobrenome, sem um passado relevante para aqueles que o rodeiam, sem identidade em meio ao caos que se tornou a humanidade após uma batalha de proporções globais. Apesar das amizades e da personalidade cativante, o personagem é apenas mais um trabalhador que luta para ganhar a vida e manter abastecido seu pequeno e extremamente necessário estoque de água.

O cenário inicial é a cidade de Joinville, no Sul do Brasil, assolada pela seca e pela guerra. No entanto este ambiente catastrófico é apenas um grande epílogo para a aventura do protagonista. Por sorte ou por destino, Bruno é conduzido para um mundo paralelo, bem diferente da realidade em que vivia em nosso próprio planeta. No mundo fantástico de Tedawer Lorcb, o jovem órfão faz amizade com Osnegrion, um velho enigmático que vê no garoto a esperança de salvar seu reino.

Apesar de tão diferente de nosso próprio mundo, Tedawer Lorcb possui uma grande semelhança com o futuro criado por Reinert. Ali também, naquele ambiente mágico e medieval, está ocorrendo uma longa guerra, que há anos vem destruindo os povos da região. Um combate sem fim, que já dura gerações e que precisa ser encerrado antes que um mal ainda maior venha a acontecer.

O maior trunfo da história, no entanto, é sua imparcialidade.

Juliano Reinert em noite de lançamento do livro / foto: Eberson Theodoro

Talvez por ser jornalista, Juliano Reinert trouxe para Em Busca do Reinado uma visão acadêmica da imparcialidade de sua profissão. É fato que a imparcialidade não existe na imprensa ou no indivíduo, mas é o ideal do jornalista sempre abordar um tema por diferentes vieses, ouvindo e dando espaço para todas as versões do acontecimento.

Ao cair em um mundo desconhecido, em meio a uma guerra da qual não faz parte, Bruno se torna um personagem à parte de toda a situação. Pode, portanto, ver o fato pelo “lado de fora”. Dessa maneira, Reinert cria um conflito sem a dualidade maniqueísta do bem e do mal. Durante a aventura do protagonista, descobre-se aos poucos que os dois lados da guerra possuem motivos para se odiarem, possuem crenças para se acreditarem corretos e legítimos defensores da verdade.

O autor nos apresenta reinos cujos líderes e cidadãos estão convictos de que devem aniquilar o inimigo, enquanto nós, leitores, entendemos que ambos estão errados. Osnegrion guia Bruno pela razão, mas deixa que o jovem aprenda com a emoção, dando ao protagonista um arco dramático ao longo de toda a sua viagem pelo grande reino de Tedawer Lorcb.

Nada mais cabível para o atual cenário em que vivemos. Claro que não era a intenção de do autor fazer de sua obra uma analogia do atual cenário político do país, afinal, como já dito, o livro é uma conclusão de anos de trabalho. Mas é impossível não tirar dele uma lição importante: não se pode polarizar a verdade.

O Diamante Azul é a apenas a primeira parte desta grande fantasia. Juliano Reinert pretende publicar o final da história em breve. Resta saber qual será o destino de Em Busca do Reinado.

Ficha técnica:

Título: Em Busca do Reinado: O Diamante Azul
Autor: Juliano Reinert
País: Brasil
Publicação Original: 2018
Publicação Lida: Pistis, 2018
Páginas: 411

Um Brasil Milenar

O esqueleto de “Luzia”, como foi apelidado os restos mortais encontrados em Minas Gerais na década de 1970, foi datado com cerca de 12 mil anos de idade. É o mais antigo esqueleto do país e prova de que o ser humano já habitava por essas bandas há muito, mas muito tempo mesmo! Mais curioso ainda foi a descoberta feita pelos pesquisadores que analisaram o crânio de Luzia e constataram que ela era uma mulher negra – ou, pelo menos, tinha fortes características da estrutura óssea do povo africano.

Neste momento você deve estar se perguntando: será possível que tribos da África atravessaram o Atlântico em canoas e vieram às Américas antes mesmo dos atuais povos ameríndios, que chegaram por aqui vindos da Ásia? A resposta para essa pergunta pode ser encontrada em 1499 – O Brasil Antes de Cabral, escrito pelo jornalista da Folha de S. Paulo, Reinaldo José Lopes. O livro, publicado em 2017, parte do mistério de Luzia e se envereda por diversas outras curiosidades da arqueologia e paleontologia brasileiras, descrevendo várias descobertas sobre a pré-história sul-americana e desmistificando muito do que é popularmente conhecido pelos brasileiros.

Se na escola se aprende sobre índios preguiçosos e sociedades pacíficas habitando o continente de tal forma que pouco ou nenhum rastro causavam na natureza, em 1499 Lopes mostra uma outra visão, menos apática e muito mais instigante do que realmente eram estas terras antes da chegada dos portugueses e espanhóis.

Os habitantes nativos da América, principalmente da Amazônia, remodelaram muito da paisagem ao seu redor. Segundo o livro, as florestas encontradas por Cabral não eram tão naturais como os portugueses imaginaram, tendo muito de sua flora modificada pela ação humana ao longo de milhares de anos. E o mesmo pode ser dito do solo e, em alguns casos, até mesmo do relevo – canais e ilhas artificiais, solos cultivados e ricos em nutrientes, estradas e fortalezas, além de uma rica e colorida arte cerâmica, capaz de fazer inveja à porcelana chinesa.

A idéia de que os índios brasileiros não modificavam seu ambiente cai por terra após as recentes descobertas, que mostram vastas sociedades e uma longa rede de comércio entre diversas tribos ao longo de todo o “berço explêndido” onde viria a se deitar o Brasil.

Aproveitando os avanços da ciência, Lopes ainda pauta seu livro em pesquisas genéticas, linguísticas e antropológicas para traçar uma linha do tempo de diversas civilizações que habitavam as regiões que hoje compõem nosso atual país e seus vizinhos – e demonstra que sim, a vida por aqui era muito agitada antes do descobrimento; e não, os antigos inquilinos dessa pátria pouco tinham de pacíficos e nada de reticentes com a dominação européia de suas terras.

Ao longo do texto, Lopes conversa diretamente com o leitor, sempre com bom humor e simpatia, usando de trocadilhos e tiradas engenhosas para traduzir muitos dos termos técnicos usados na ciência. Mais que despertar a curiosidade, e mesmo que não seja a intenção do autor, a obra instiga um certo patriotismo ao expor a grandiosidade por trás deste gigantesco pedaço de continente que hoje nos cabe.

Se o Brasil não possui um mito fundador, como tantos outros países mundo afora, talvez, com 1499, seja possível ter um gostinho do que viria a ser este complemento histórico, dando ao país um passado extra e, ao povo, uma extensão da personalidade coletiva que nos une como nação.