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J. R. R. Tolkien: Fantasia e Genealogia
O texto abaixo, de minha própria autoria, foi originalmente publicado no blog do portal MyHeritage.com, o maior portal do genealogia do mundo.
Apesar de ser professor em Leeds por seis anos e ser eleito a uma cátedra na Universidade de Oxford em 1925, onde ministrava aulas de Inglês Antigo e Medieval, Filologia Germânica, Islandês, Galês e Saxão (entre outros), o escritor britânico J. R. R. Tolkien só se tornou conhecido em seu país e no mundo após as publicações de seus dois mais famosos livros: O Hobbit (1937) e sua obra prima, O Senhor dos Anéis (1954). Neste e em outros mais de 20 livros (a maioria publicado postumamente), Tolkien desenvolveu uma vasta mitologia, com raças variadas: “deuses” e “demônios”, elfos, humanos, anões, hobbits, orcs e animais fantásticos. Suas histórias se desenvolvem desde a gênese do universo até o final das “eras mágicas”, quando apenas os humanos passaram a dominar o mundo.
Mais que uma simples história de fantasia, porém, a mitologia tolkieniana é uma narrativa concisa de um passado remoto de nosso próprio mundo, quando seres míticos ainda habitavam a Terra e os “deuses” ainda agiam abertamente, influenciando os destinos de humanos, elfos e demais raças. Nestes épicos estão narradas grandes batalhas, aventuras perigosas, mistérios e grandes amores. Mais que arriscadas demandas, no entanto, estão presentes nestas histórias grandes exemplos de humildade e simplicidade, amizade e amor, perseverança, coragem e justiça, além de discursos políticos e familiares, bem como uma profunda filosofia, capaz de refletir com exatidão os tão complexos conflitos humanos de nosso tempo.
Mesmo com tantos elementos fantásticos, as narrativas deste filólogo conseguem passar ao leitor uma aura de realidade grande o suficiente para que seja possível acreditar na existência dos fatos, ocorridos naquele período imemorável de nosso passado distante. Metódico ao extremo, Tolkien compôs essa impressão de que suas obras eram “registros históricos” abusando dos detalhes, como mapas minuciosos, idiomas próprios e vivos (suas línguas evoluem no decorrer da história) e mesmo emaranhadas árvores genealógicas de seus personagens, cujas sagas das famílias se desenvolvem por séculos – às vezes milênios. A genealogia é, inclusive, um dos passatempos favoritos dos hobbits – a raça de hominídeos cujo alguns personagens protagonizam seus mais famosos livros. Alguns hobbits, como dito em O Senhor dos Anéis, tinham orgulho de expor suas composições genealógicas, listando seus antepassados, seus filhos, tios e primos de graus variados.
Bilbo Bolseiro, por exemplo – protagonista de O Hobbit – é descendente de duas das mais tradicionais famílias hobbits (os sensatos Bolseiros e os aventureiros Tûks). Bilbo era filho de Mungo, neto de Bungo e bisneto de Balbo. É também sobrinho-neto de Largo Bolseiro, que, por sua vez, é bisavô de Frodo – protagonista de O Senhor dos Anéis. [vide imagem 1] Mas a família Bolseiro é apenas uma dentre muitas das mais tradicionais, como os Bolger, os Foçadores, os Pés-Soberbos, os Tûks, os Buques e muitas outras. Tendo cada família seus próprios costumes e tradições, bem como diferentes posições sociais, a genealogia ficcional de Tolkien torna-se, portanto, não apenas mero enfeite para os mitos, mas também contexto para criar a personalidade de cada um dos personagens. É baseado nos laços familiares e nas características genéticas que se define (ou se desafia) o destino de cada um deles.
Entretanto, por mais extensas que sejam as árvores genealógicas deste pequeno povo, elas não chegam nem perto da grandiosidade das genealogias dos elfos e humanos. Tendo estas raças surgido no Início do Mundo (sendo as primeiras criações de Eru, o Deus Único), suas genealogias se estendem por milênios, desde os primórdios do Tempo até o desfecho dos mitos, onde as histórias de todos se convergem numa última luta contra o grande Mal que ainda habitava o mundo. Sendo elfos e humanos os senhores dos grandes reinos que dominam o mundo criado por Tolkien, suas respectivas genealogias têm o contexto não só de enriquecer os personagens como também de basear as relações políticas, militares e comerciais, algumas vezes influenciando diretamente até mesmo as decisões dos “deuses”.
Como um bom inglês que era, Tolkien colocou presente em sua obra uma monarquia de valores nobres e sublimes, tendo o rei como pai do povo. Bons reis eram líderes que tratavam seus súditos com igualdade e justiça, enquanto maus reis condenavam seus reinos à destruição. Em O Senhor dos Anéis, por exemplo, o grande e decadente reino de Gondor é governado há anos por regentes, pois a família do rei, apesar de ainda aguardada com esperanças, havia se perdido em guerras há séculos. O fim da história trás de volta a prosperidade do reino ao ser anunciado o retorno do rei – Aragorn, Filho de Arathorn, cujos antepassados viveram no exílio por gerações. [vide imagem 2]
Milênios antes do rei retornar a Gondor, uma história de amor foi capaz de mudar o desígnios dos próprios “deuses”. O humano Beren e a elfa Lúthien, ao concretizarem seu amor e gerarem um filho misto, com sangue da raça mortal e da raça imortal correndo em suas veias, obrigaram os Poderes do Mundo a mudarem as leis divinas e até mesmo a geografia do planeta; e seus descendentes, por milênios a fio, foram os grandes líderes de ambas as raças – cujo Aragorn, citado acima, e sua esposa foram os últimos mencionados em toda a obra. [vide imagem 3]
Os exemplos aqui citados são apenas alguns dentre muitos. As árvores genealógicas são extensas e variadas e podem ir além das histórias contadas nas páginas dos livros. O professor e escritor J. R. R. Tolkien era um genealogista da ficção e, apesar de atribuir a seus personagens o gosto pela genealogia, era ele próprio um entusiasta desta arte.
Se vivo, Tolkien completaria 123 anos neste dia 3 de janeiro de 2014. Ele próprio se dizia um hobbit, um sujeito simples e interiorano, avesso às modernidades. Se fosse mesmo verdade, talvez ele estivesse compondo sua própria genealogia nas páginas de sua esplêndida fantasia.
Um Orc no TelhaCast
Há algum tempo recebi um ilustre convite, feito por Thiago Miro, para participar de uma série de Podcasts sobre a vida e obra daquele que é meu autor favorito: J. R. R. Tolkien. E eis que, após um mês e meio de pesquisas, gravações e muitas risadas pela net, finalmente foi publicado o primeiro dos quatro episódios que serão lançados: “Tolkien e O Hobbit”, um emocionado debate sobre a vida do Professor e seu mais singelo trabalho, a aventura de Bilbo Bolseiro.
Para ouvir o podcast, basta clicar no link abaixo e visitar a página do TelhaCast. Ótima aventura a todos!
TelhaCast #17 – Tolkien e O Hobbit
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Atualização
Novo episódio da série no ar: Telhacast #18 – A Sociedade do Anel
Terceiro episódio já está no ar: Telhacast #19 – As Duas Torres
Quarto e último podcast da série no ar: Telhacast#20 – O Retorno do Rei
Episódio Especial, apenas com a leitura dos e-mails, correção dos erros, extras e muito mais!
Uma Jornada que há Muito Esperava (atualizado – 19/09/12)
Na madrugada do dia de hoje, 21 de dezembro de 2011, eu voltei exatos dez anos no passado. Repeti em meu íntimo uma longa jornada que fiz àquela época; uma jornada que mudou para sempre a minha vida. Uma aventura de letras e palavras, que mais tarde se tornaram sons e imagens, e que me fizeram descobrir um mundo totalmente novo.
E tudo isso voltou de repente, para uma nova – e ao mesmo tempo antiga – aventura. Uma jornada que eu há muito esperava. “Ah, as Montanhas Gandalf! Preciso ver as montanhas novamente!” E cá estou eu, cinto afivelado, mochila às costas e um cajado na mão, pronto para enfrentar trolls e orcs, aranhas e um magnífico dragão. “A Estrada em frente vai seguindo/Deixando a porta onde começa./Agora longe já vai indo,/Devo seguir, nada me impeça[…]”.
Sim, Bilbo, eu o seguirei. Serei o 15º membro de sua companhia, assim como fui o 10º membro da velha Comitiva, através de muitas sendas, mesmo sem saber o que vem pela frente!
Para os alienados do assunto, que ignoram tudo o que estou dizendo, eu explico: Peter Jackson e toda a New Line Cinema compartilharam hoje pela internet, a 1h da manhã, o primeiro teaser de O Hobbit – Uma Jornada Inesperada, a primeira parte do filme que adaptará o primeiro livro de J. R. R. Tolkien, muito anterior à Trilogia de O Senhor dos Anéis.
E todo este drama por causa de um filme? Ah, para aqueles que isso se perguntam, deixo apenas a minha mais sincera pena. Pena por não sentirem o mais incondicional amor pela mais singela das aventuras; pena por não saberem o que é viajar para um mundo à parte, mas descobrir que este é nosso próprio mundo. Pena por não conhecerem Bilbo e Gandalf, Thorin e Beorn, Gwaihir e o magnífico Smaug. Que me chamem de alienado aqueles que se intitulam sábios. Que me chamem de sonhadores aqueles que vivem nesta realidade insossa… Não me importo, pois o único chamado que ouço agora, é o do velho mago Cinzento convocando-me para mais uma – ou seria a primeira? – aventura!
E vendo e revendo o trailer, não há defeito a se colocar, não há reclamações a serem feitas. Está tudo aí: Bolsão e Valfenda, as Montanhas e tudo o mais. A mesma atmosfera dos filmes anteriores, a mesma Terra-média de sempre, com velhos e novos amigos, prontos para uma velha nova aventura. Rumo, meus caros, à Montanha Solitária!
ATUALIZAÇÃO
Em 19 de setembro de 2012, durante as comemorações da Semana Tolkien (aniversário de Bilbo e Frodo e 75 anos de lançamento de O Hobbit) foi divulgado o segundo trailer oficial de O Hobbit – Uma Jornada Inesperada, o primeiro filme da, agora, trilogia.
Confiram abaixo:
As (mal adaptadas) Histórias da Mitologia Nórdica
Por questões históricas e culturais (talvez pelo fato de considerarmos a Grécia o berço de nossa civilização), nós brasileiros, difundimos e conhecemos apenas a mitologia greco-romana, seus deuses, suas lendas e seus heróis. E por muitas vezes ignoramos a existências de tantos outros mitos que, tais quais os gregos, formam as fundações de outros vários povos e civilizações. Um deles, tão rico quanto as histórias legadas por Homero, é o proveniente das regiões nórdicas da Europa (hoje Dinamarca, Finlândia, Islândia, Noruega e Suécia) e conhecido como Mitologia Nórdica. E foi com intenção de nos expor esta tão rica e complexa mitologia que os autores gaúchos A. S. Franchini e Carmen Seganfredo publicaram suas versões dos contos escandinavos no livro “As Melhores Histórias da Mitologia Nórdica”. Pena que fizeram isso tão parcamente.
Para contar essas histórias, Seganfredo e Franchini dividiram sua adaptação em duas partes. Na primeira, as lendas são adaptadas dos registros encontrados na Islândia e contam, principalmente, as fábulas relacionadas aos deuses, citando como Odin se tornou o deus supremo, dando um de seus olhos em troca de sabedoria; ou sobre os corajosos feitos de seu filho, o deus Thor; ou ainda as artimanhas frustradas de Loki, o deus da trapaça. Ainda nessa parte existem pérolas como o conto no qual Thor e seus companheiros enfrentam a Rigidez das montanhas, a Voracidade do fogo, a Rapidez do pensamento e a Imensidão do oceano; ou a morte do invencível deus Balder, assassinado por um mísero e inocente ramo de azevinho; ou ainda a grande batalha do Ragnarok e o fim absoluto dos deuses.
Esta mitologia oriunda da Escandinávia difere em muitos pontos daquelas que conhecemos. Um dos principais é o fato de seus deuses serem mortais, mantendo-se vivos e jovens por tanto tempo apenas devido às maçãs mágicas cultivadas nos jardins da deusa Idun. Nisto se encontra grande parte da beleza dessas histórias, pois, desde a criação dos Nove Mundos, existia a profecia do Ragnarok, o Crepúsculo dos Deuses, a grande batalha que poria fim ao reinado de Odin, o deus supremo, sobre o mundo. No entanto, mesmo sabendo que a derrota era predestinada, eles, tal como os humanos que os cultuavam, jamais desistiram de lutar. É o que hoje os estudiosos chamam de “Teoria da Coragem do Norte”, uma coragem que se mantinha inabalável mesmo diante da derrota iminente.
A segunda parte, porém, tem um quê de grandiosidade que se soma ao próprio mito que ali é contado: é a versão romanceada da obra-prima do compositor alemão Richard Wargner, a ópera “O Anel dos Nibelungos”. O conto do anel é a versão germânica da Mitologia Nórdica e, com certeza, a melhor parte do livro. Um verdadeiro ensaio sobre o medo e a coragem, a prudência e a ousadia. Tudo com um toque de heroísmo e tragédia. A ópera, contada aqui em prosa, narra a história de Sigfried, filho de Sigmund, que por sua vez era filho bastardo do próprio Odin (chamado aqui e Wotan). Sigfried era predestinado a ser um grande herói, porém o personagem, com sua arrogância e prepotência, nada tinha de herói a não ser o fato de sua coragem desmedida.
Outro motivo interessante para se conhecer tais histórias é poder relaciona-las com a obra do escritor inglês J. R. R. Tolkien, criador de uma mitologia própria, cujo livro mais conhecido é O Senhor dos Anéis. Afinal, foi com a Mitologia Nórdica que Tolkien estabeleceu as bases para seus contos e muitas de suas inspirações podem ser encontradas neste livro, principalmente relacionadas à história de Túrin Turambar, a encarnação tolkienina do herói Siegfried.
Entretanto “As Melhores Histórias da Mitologia Nórdica” tem lá suas pobrezas, e elas não são nada pequenas. A primeira intenção do livro era traduzir de maneira acessível os antigos contos nórdicos, tratando-os como fábulas. O resultado, porém, foi algo extremamente infantilóide, que destruiu por completo toda a beleza das antigas lendas dos vikings, empobrecendo-as e idiotizando-as. A começar pelo excesso de linguagem coloquial, que diminui a grandiosidade e austeridade da mitologia, como o abuso dos “vocês” e de expressões como “ué” ou, ainda pior, “minha nossa” saindo da boca de deuses nórdicos. Esta última, por sinal, a pior delas, afinal “nossa” é uma expressão católica, inexistente na época do surgimento destas histórias.
Outro ponto fraco são as desnecessárias comparações com a mitologia grega em todo o decorrer da primeira parte do livro: “A deusa Freya (a equivalente a Venus da mitologia grega)…”, sendo que, se havia mesmo a intenção de comparar ambas, que isso fosse feito de maneira mais aprofundada e em um capítulo à parte, dedicado exclusivamente ao tema (assunto, aliás, que os autores parecem desconhecer, pois Vênus e Freya possuem poucas semelhanças se comparadas diretamente). Além de vários outros problemas, como o absurdo de se chamar Asgard, o reino dos deus nórdicos, de Olimpo (o monte grego onde, acreditava-se, viviam Zeus e companhia limita).
No conto do Anel dos Nibelungos existem miseráveis tentativas de descrição, mas parece ter faltado talento aos dois autores gaúchos.
Mesmo assim, o livro tem lá seus valores (estes, claro, não estão ligados de maneira alguma com seus “autores”): as antigas histórias que ali estão contadas. E para um primeiro contato com este novo universo, talvez até valha a pena ler o volume. Afinal se até Odin perdeu um dos olhos para se tornar sábio, então vale a pena perder um pouco de tempo com este livro.