O mais novo hit da música mundial veio lá do outro lado do mundo, com língua quase impossível de se pronunciar e entender e é cantado por um rapper gordinho em um clipe aparentemente sem noção. Em contrapartida, aqui no Brasil, esta mesma canção foi copiada e deturpada pelo cantor pop/funkeiro Latino.
Na canção original, chamada Gangnam Style (estilo Gangnam), cantada pelo rapper Psy, busca-se “uma mulher elegante que saiba apreciar um convite para um café”, “uma mulher que é sexy, mesmo sem se mostrar muito” e que se interesse por “um cara que tem mais idéias do que músculos”.
A versão “latina”, porém, segue por outro viés. Aproveitando apenas do ritmo, o cantor brasileiro transformou Gangnam Style em Despedida de Solteiro. E os versos – com o perdão da palavra – na mais pura putaria. Deixa-se de lado a mulher ideal para poder aproveitar uma despedida de solteiro, “laçar, puxar, beijar”, ver “as minas todas nuas”, “de bumbum pra lua”.
Mas de onde mesmo é esse tal de Psy? Ah, é verdade, ele é da Coréia do Sul. É só um minúsculo país lá do outro lado do Pacífico, que tem uma irmã siamesa problemática. É só um país que já foi invadido pelos japoneses e ocupado por quatro anos. É só um país que foi espremido entre EUA e URSS, foi dividido em dois e reduzido a quase nada durante a Guerra da Coréia, na década de 1950. Mas é também o país que mais investiu em educação nos últimos 50 anos e que, devido a isso, deixou no passado toda a destruição que sofreu e é hoje uma potência tecnológica, com um dos mais altos Índices de Desenvolvimento Humano (IDH) do mundo. Em 2006, no ranking do Programa Internacional de Avaliação dos Alunos, os sul-coreanos ficaram em primeiro lugar na resolução de problemas, terceiro lugar em matemática e décimo primeiro em ciência. O sistema educativo está tecnologicamente avançado e foi o primeiro país do mundo a equipar todas as suas escolas primárias e secundárias com Internet de banda larga. Com esta infraestrutura, a Coréia do Sul tem desenvolvido os primeiros livros didáticos digitais no mundo, que serão distribuídas de forma gratuita aos estudantes do ensino primário e secundário até 2013.
Opa, mas calma lá. Toda essa tempestade por causa de uma música? Não seria demasiado exagero? Não, não seria.
Psy e Latino têm um mesmo nicho de público – os jovens e os adolescentes. Ambos fazem músicas divertidas e agitadas, com coreografias animadas, que servem para embalar qualquer festa. Entretanto, enquanto o sul-coreano conversa com um público consciente e – porque não? – honrado, Latino precisa falar sobre a “realidade” brasileira, ou seja, “vou ser um vagabundo que anda pelas ruas em busca de sexo fácil e faço das mulheres o que eu bem entendo”… mais ou menos por aí
E tudo isso é reflexo da educação e do desenvolvimento cultural e social do público. Enquanto os coreanos aceitam com facilidade um rapper com responsabilidade social, os brasileiros insistem no funk da sacanagem. Uma sociedade bem educada presa por valores que vão além do “puxar, beijar, vou te pegar… eu quero sexo pra galopar”. Um jovem bem educado valoriza a si mesmo e sabe valorizar os demais à sua volta, sem tratar como objeto aqueles que o rodeiam, sem se prestar à orgia como um modo natural de diversão.
Outro fator importante é o comércio cultural. Com cultura desenvolvida e povo educado, não é necessário roubar um ritmo estrangeiro para se fazer sucesso. Quem sabe cria, não copia! Não pega carona no sucesso de outros para fazer sucesso também. Não plagia! E nesse comércio, o balanço brasileiro é sempre negativo, pois foram raros os momentos da História em que exportamos nossa cultura e nossa criatividade, enquanto a importação da cultura estrangeira nunca cessou em nosso país. Quantas paupérrimas versões de músicas estrangeiras a Jovem Guarda não fez? E o sertanejo romântico, o pop, ou mesmo o rock? Até a MPB tem canções importadas. E o que da nossa cultura é empurrado para o mundo? A Bossa Nova, que nem sequer existe mais? Não, exportamos o “ai, se eu te pego”.
Recentemente, Cristovam Buarque, o político que mais luta pela educação deste país, disse que “o Brasil vive um apagão intelectual”, referindo-se ao resultado do Ideb deste ano, que não chegou aos 4 pontos entre as escolas públicas e não passou dos 6 entre as particulares. Ainda nas palavras dele, nós “avançamos ficando para trás. Coreia do Sul, Índia, China e Irlanda, que há trinta anos atrás estavam em situação pior que o Brasil, hoje estão melhor, pois fizeram o dever de casa.”
Se nossos músicos precisam importar canções estrangeiras para fazer sucesso por aqui, isso nada mais é que um reflexo do restante do país, cuja economia é baseada na reprodução de produtos criados lá fora, desenvolvidos por marcas estrangeiras.
E o nosso dever de casa, quando é que será feito?
O Contexto Social de Gangnam Style
O contexto de Gangnam Style, a história por detrás do clipe e o que diz os versos originais vão muito além de um ritmo divertido e uma sequência de imagens aparentemente aleatórias e coloridas. Gangnam é um dos bairros mais ricos de Seul, a capital da Coréia do Sul. Porém, para um país baseado em valores de trabalho duro e honra, o bairro, devido à sua história rápida de formação e desenvolvido (pouco mais de 20 anos), é marginalizado pelo restante da cidade. Ali seus moradores enriqueceram da noite para o dia, mas não por seguir os valores tradicionais sul-coreanos de trabalho e sacrifício, mas sim devido à especulação imobiliária, que tornou a região extremamente valorizada, cuja média de preço de um apartamento é de US$ 716 mil e com escolas cerca de quatro vezes mais caras que no restante do país. Parece estranho para nós brasileiros, mas sim, são ricos excluídos do restante da sociedade.
De uma maneira divertida, Psy trabalha com essas questões culturais em seu clipe, que para nós passam totalmente despercebidas e parece que tudo é uma sequência de imagens sem nexo. O rapper, que vem de uma família rica da região de Gangnam, foge do pré-conceito existente sobre os moradores deste distrito. O personagem do videoclipe não frequenta as caras boates locais, nem as academias abarrotas de coreanas esculturais. Tampouco tem o corpo modelado por cirurgiões plásticos. Pelo contrário, ele dança em um ônibus lotado, cheio de velhinhos aposentados; faz seu discurso sentado em um vaso sanitário; é gordinho e nada bonito; frequenta saunas com gangsteres e lugares cheios de lixo. É um riquinho hipócrita querendo parecer pobre? Talvez. Mas mais que isso, é uma paródia – extremamente divertida – de si mesmo. Talvez nada muito digno de admiração, no entanto há ainda a letra da música a ser considerada. Na canção, busca-se a mulher ideal, que queira viver ao lado de “um cara que tem mais ideias do que músculos”. E só por isso já merecia um bocado de respeito.
Atualização de Última Hora
Qual não foi minha surpresa, enquanto pesquisava para escrever este post, descobrir que a canção Despedida de Solteiro de Latino, está sendo boicotada pelo público!
Uma campanha pela internet convoca os internautas a dar o maior número de deslikes (negativações) na música postada no canal oficial do cantor no YouTube. Até o momento já foram mais de 120 mil deslikes. Estou dando risada! Hahaha
Quem quiser aderir à campanha, basta clicar aqui e dar um voto negativo ao vídeo.
Com informações do G1, Terra, O Globo e Wikipédia.
Atualização 2
Acho que isso encerra o assunto! hahaha