O sacrifício que nos deu a vida

Estrela“Somos poeira de estrelas”. A frase, dita por  Carl Sagan, é a constatação de um fato averiguado pela cosmologia moderna: todos os materiais que compõem nosso corpo foram produzidos há milhões de anos, no coração de estrelas agonizantes.

Desde que a física descobriu o funcionamento dos átomos, no início do século XX, nossa ligação com o universo vem se estreitando cada vez mais. Povos primitivos, desde a antiguidade, adoravam os pontos luminosos do céu, tratando-os como deuses e criadores de toda a vida na Terra. Mesmo que não soubessem, essas antigas religiões tinham um fundo de verdade: nossas vidas estão intimamente ligadas ao funcionamento das estrelas, próximas ou distantes, brilhantes ou já extintas.

Se não fossem essas grandes fornalhas, milhões ou bilhões de vezes maiores que nosso planeta, os elementos químicos que compõem as montanhas, os oceanos, o ar e nossos próprios corpos jamais poderiam existir. Todo o universo seria apenas uma gigantesca nuvem de hidrogênio e partículas subatômicas.

Mas, para entender como as estrelas nos deram a vida, é preciso saber como elas nascem e como funcionam.

Motor e combustível

As estrelas geram calor e luz durante bilhões de anos. Nosso sol, por exemplo, em apenas um dia, envia para a Terra 10 bilhões de vezes mais energia que a Usina de Itaipu em pleno funcionamento. E para conseguir isso, é preciso um motor de grande força e muito combustível.

Até o início do século XX, a fonte da energia das estrelas ainda era um mistério para a ciência. Não à toa, quem a descobriu é considerado um dos cientistas mais geniais de toda História da humanidade: Albert Einstein.

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Bomba atômica que dizimou Nagazaki, no Japão.

A Teoria da Relatividade, desenvolvida por Einstein na primeira década do século passado, expôs ao mundo o poder do átomo. Segundo o físico alemão, toda matéria é formada por energia condensada, armazenada dentro das partículas atômicas que compõem os elementos. A partir das teorias de Einstein, descobrimos que existem dois processos distintos capazes de liberar essa energia: destruindo o átomo completamente ou fundindo-os para formar um novo elemento.

A descoberta de Einstein não apenas nos fez entender o funcionamento das estrelas, mas também nos ensinou a acender pequenos sóis em nosso planeta: as bombas de fissão e de fusão – também conhecidas como bombas atômicas.

O funcionamento de uma bomba de hidrogênio é exatamente igual ao processo de fusão que ocorre constantemente no coração de uma estrela. O núcleo de uma estrela como o Sol gera o equivalente a um bilhão de bombas nucleares por segundo. E o motor de todo este processo é a força da gravidade.

A força gravitacional é o que mantém a estrela unida, mesmo com tanta energia sendo gerada em seu interior. A gravidade é diretamente ligada à massa de um objeto. Quanto maior o volume de sua massa, maior a curvatura espaço-temporal gerada por esse objeto, ou seja, maior é sua gravidade.

Apesar de serem tão grandes e tão brilhantes, as estrelas têm uma origem humilde: é necessário apenas uma gigantesca nuvem de poeira espacial e a ação da gravidade sobre as partículas soltas no espaço. Estas nuvens, chamadas de nebulosas, são formadas basicamente por átomos de hidrogênio. Em constante movimento pelo espaço, os átomos acabam por se chocar, unindo-se em pequenos aglomerados. Estes aglomerados se chocam entre si, aumentando de tamanho, até a gravidade ser grande o suficiente para, aos poucos, começar a sugar toda a nuvem ao seu redor, em um grande redemoinho cósmico. Quando toda a poeira é condensada em uma imensa esfera de gases, a força da gravidade se torna tão alta que começa a comprimir os átomos de hidrogênio, jogando-os uns contra os outros. Quando dois átomos de hidrogênio se chocam em alta velocidade, eles se fundem, formando um único átomo de hélio. Essa fusão, a mesma que ocorre em uma bomba nuclear, é o que libera a energia emanada pelo astro.

Da morte à vida

A cada segundo, nosso sol “queima” 600 toneladas de hidrogênio. Uma estrela maior pode queimar o dobro dessa quantidade ou mesmo 10 vezes mais. Durante bilhões de anos, a pressão gerada pela força da gravidade comprime os átomos de hidrogênio, fundindo-os e formando átomos de hélio. Mas chega o dia em que o estoque de combustível acaba e a força gravitacional começa a fundir os átomos de hélio, formando carbono.

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Processo de fusão dos átomos

Quando o átomo foi descrito pela primeira vez, ainda na Grécia Antiga, acreditava-se que ele era indivisível. Foi apenas no final do século XIX e início do XX que partículas ainda menores foram descobertas. Mais do que isso, descobriu-se que todos os átomos, de todos os elementos, são formados das mesmas três partículas, agrupadas em números diferentes: nêutrons, prótons e elétrons. Ou seja, a única diferença entre um átomo de ferro e um de ouro é que o primeiro possui 26 prótons, enquanto o segundo possui 79.

Portanto, para formar um novo elemento, basta somar à sua massa mais algumas partículas de prótons, nêutrons e elétrons. Sempre que um elemento é totalmente “queimado” na fornalha estelar, o elemento seguinte começa a se fundir para criar outro mais pesado. Porém, quanto mais pesada é a substância, mais calor é consumido em sua fusão. Até o momento em que a estrela começa a produzir o seu próprio veneno: ferro.

Quando o núcleo do astro começa a fundir átomos de manganês e gerar ferro, a estrela está fadada à morte. É o fim de seu combustível e de sua força de expansão. Sem a constante explosão atômica em seu interior, a força da gravidade a comprime cada vez mais, tão rapidamente, que uma explosão é gerada, destruindo completamente a estrela. Essa explosão, chamada Super Nova, espalha pelo universo toda a matéria produzida pelo núcleo da estrela.

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Restos de uma Supernova fotografada pelo telescópio Hubble

Na década de 1920, a Teoria do Big Bang explicou que o Universo e de tudo o que conhecemos dentro dele se iniciou a partir de uma grande explosão: o evento primordial que criou o tempo e o espaço e se expandiu por todo o cosmo, espalhando átomos e partículas. Acredita-se que, logo após a expansão, o espaço era um mar de hidrogênio. Uma gigantesca nuvem composta pelas moléculas do mais simples elemento da tabela periódica.

Se não fosse pelas estrelas, queimando o hidrogênio e o transformando em todos os materiais que hoje conhecemos, não haveriam planetas, nem luas. Não haveria água, oxigênio ou carbono. Os átomos que compõem tudo o que conhecemos, inclusive nós mesmos, só existem porque, em algum momento da história do Universo, uma estrela se formou, se consumiu e se sacrificou para espalhar pelo espaço a poeira que hoje dá forma a tudo o que existe.