Chapulin – O Maior Herói Latino

Caixa ChapulinCriado, em 1970, pelo dramaturgo e ator mexicano Roberto Gomez Bolaños – eternizado por seu personagem El Chavo – o super-herói Chapulin Colorado possui, de maneira bem humorada, um teor caricato e crítico, totalmente contrário ao estereótipo padrão dos super-heróis lendários da TV, do Cinema e dos Quadrinhos. Fora feito para ser cômico, porém carregava consigo um discreto teor político que refletia aquele momento histórico vivido pelos mexicanos e, de modo geral, por toda a América Latina.

O Polegar Vermelho, como foi traduzido no Brasil, perdia em beleza, força e astúcia, porém ganhava em carisma e humildade. Não possuía uma identidade secreta. Chapulin era Chapulin todo o tempo, com seu uniforme vermelho, estampado com o símbolo universal do amor: um singelo coração amarelo.

A escolha do uniforme vermelho para o personagem Chapulin não fora premeditada. A emissora possuía em seu almoxarifado apenas quatro cores de tecido: preta, branca, azul e vermelha. Para Bolaños, o preto era extremamente negativo e triste, enquanto para os técnicos, o uso de branco e azul eram inadmissíveis – com o equipamento precário, o branco estourava a luz e ofuscava a imagem, enquanto o azul tornava inviável o uso do chromakey. Restava então o vermelho. O inusitado super-herói até então se chamaria El Chapulín Justo (O Gafanhoto Justiceiro, em tradução livre), porém, com o uniforme escarlate, surge o título “Colorado”, que em espanhol significa literalmente “vermelho”.

gafanhoto vermelhoOs chapulíns (palavra de origem nahuatl, o idioma asteca) são insetos comuns no México, usados inclusive na alimentação e dão nome a alguns lugares, como a colina Chapultepec (Colina do Gafanhoto), na região central da Cidade do México. Como Bolaños queria que seu herói fosse estritamente nacional, escolheu o inseto mais famoso do México para caracterizá-lo.

Talvez como uma paródia ao S do Superman americano, Bolaños acrescentou ao uniforme a inicial do personagem, a letra “che”. Em espanhol e em vários idiomas nativo-americanos, CH é considerado uma única letra. A letra “che”, diga-se de passagem, é a inicial de todos os personagens criados por Bolaños (Chabo, Chapatin, Chanfle, Charrito, Chompiras, Chaparron etc), a mesma inicial de seu apelido, Chesperito, o pequeno Shakespeare.

Chapulín Colorado trazia em suas histórias uma forte crítica ao imperialismo norte-americano, fazia piada dos vizinhos ricos e, de maneira caricata, abordava com frequência as influências externas na política latino-americana. O humor parece ingênuo, mas suas esquetes possuem um quê político e uma identidade tal, que transformou o atrapalhado Gafanhoto Vermelho no grande herói de toda a América Latina.

Não à toa, Chapulin possui várias referências à cultura e à história norte-americana, tratando-a sempre de maneira caricata, como em seus episódios sobre o Velho Oeste, a Guerra Civil Americana ou fazendo referência a clássicos filmes de Hollywood.

Enquanto as grandes editoras norte-americanas de quadrinhos – a DC Comics e a Marvel – dão ao público que a ideia de que ser um herói é algo inatingível e extraordinário, Bolaños aponta para o outro lado. A história de Chapulin é diferente de histórias onde os personagens, às vezes, possuem poderes para destruir todo o planeta e uma inteligência descomunal capaz de criar armas e veículos incompreensíveis ao leitor, além de enfrentar inimigos igualmente grandiosos. O pequeno gafanhoto vermelho é mais humilde e pau pra toda obra. Ele surge não apenas para enfrentar vilões, mas também para solucionar problemas cotidianos, como dar conselhos ao garotinho mimado que mente para os pais, resolver a situação de um casal que pode ser despejado por não pagar o aluguel, proteger um hotel da possível invasão de um criminoso, entre outras situações tão comuns para quaisquer cidadãos.

Os episódios em que o personagem Super Sam (interpretado por Ramón Valdez) entra em cena são, com certeza, os que possuem as críticas mais explícitas. Super Sam é uma paródia do ícone estadunidense, o Tio Sam. O personagem usa a roupa do Superman e uma cartola com as cores norte-americanas; tem como arma dois sacos de dinheiro e seu bordão de vitória é chavão de Wall Street: “Time is Money, oh yeah!” A maior curiosidade, porém, é que ele aparece sem ser chamado. Os personagens em perigo esperam por Chapulin e se decepcionam ao ver Super Sam, que está pronto para resolver problemas à sua maneira, unilateralmente, numa explícita referência à política externa dos Estados Unidos.

Chapolin1Enquanto Superman, Capitão América, Homem-Aranha e alguns outros possuem as cores da Revolução Francesa e do Sonho Americano, Chapulin Colorado traz consigo o vermelho da revolução latino-americana, mesmo que seu uniforme tenha sido composto ao acaso da necessidade. Enquanto os heróis da Marvel e DC se distanciam dos reles mortais, tornando-se cada vez mais poderosos, Chapulin Colorado poderia ser qualquer um de nós: um homem comum, cujo maior poder é a honestidade e a boa vontade em ajudar.

A verdade é que o personagem criado por Bolaños foi o último grande herói do mundo. Depois dele, não houveram outros. Homem-Aranha, X-men, Homem de Ferro, Capitão América, Batman e Superman surgiram entre 1938 e 1963. Chapulin foi criado em 1970, possui apenas algumas poucas histórias, compostas há mais de 40 anos, que nunca foram renovadas e que ainda hoje fazem sucesso na TV de dezenas de países. O mundo realmente não contava com sua astúcia!

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Adeus, Chespirito…

ChespiritoQuando ele subiu ao palco pela primeira vez, muitos que hoje o idolatram sequer tinham nascido. E agora que ele se foi, muitos que ainda hão de nascer já chegarão ao mundo como órfãos do pequeno Shakespeare mexicano.

Roberto Gomez Bolaños era um latino-americano como cada um de nós. Estava na periferia do Ocidente, ao sul do Primeiro Mundo. Não havia em sua terra o mesmo poder que se estendia ao norte de suas fronteiras. Os personagens que criou como dramaturgo e escritor não poderiam ser diferentes dessa acepção, teriam de vir da mesma simplicidade, falar diretamente com o povo e mostrar que era possível ser feliz em meio ao pouco que possuíam.

E assim foi surgindo a ingênua, porém grandiosa trama de seus personagens, que aos poucos se emaranhou ao cotidiano daquele país, ultrapassou suas fronteiras e envolveu o mundo. Não eram produções de grande qualidade técnica e estavam muito longe do glamour hollywoodiano. Porém eram sinceras, comoventes, envolventes e divertidas: a linguagem certa para se identificar com o público latino.

El Chavo del Ocho era um garoto pobre que se escondia em um barril. Seus companheiros eram uma viúva pobre e orgulhosa e seu filho arrogante, um senhor desempregado e sua filha pentelha, uma solteirona velha e apaixonada, um professor desconsolado com sua turma, um carteiro preguiçoso e um generoso e gordo senhorio, dentre todos, o menos pobre. Existia ali, dentro do seriado que saiu do México e ganhou o mundo, uma lição que seria ensinada por gerações: dentre tantas brigas, dentre tanta frustração, em meio a tanta pobreza, há sempre um espaço para felicidade. El Chavo ensinou ao mundo que um sanduiche de presunto tem um valor inestimável, que a honestidade está acima do orgulho e que amizades estão acima de classes sociais.

chapoline201Apesar de ter El Chavo como seu personagem mais famoso, é com Chapulin Colorado que Bolaños mais mostrou sua genialidade. O ideal de Chapulin batia de frente com o imperialismo norte-americano e parodiava os “deuses” invencíveis das HQs ianques. Era um personagem tonto, desastrado e medroso, sem dinheiro e sem recursos. Mais atrapalhava do que ajudava. Mas sabia superar seus medos, sabia ter compaixão por seus inimigos e enfrentava seus problemas, mesmo que da maneira mais inusitada. Chapulin é a necessidade do povo latino-americano de ter um herói próprio, de mostrar que não precisa de ajuda externa e isso fica bem claro nos episódios em que Chapulin contracena com Super Sam – o herói claramente americano, à imagem do simbólico Uncle Sam: enquanto Chapulin só aparece quando é chamado, Super Sam está sempre por ali, pronto a ajudar mesmo quando ninguém o quer por perto. Se há aqui alguma semelhança com a política externa dos Estados Unidos, ela é totalmente intencional.

Há muito mais nas esquetes criadas por Bolaños do que simplesmente o humor infantil. Havia uma crítica social, uma inspiração política, um desdém àqueles que se propunham superiores. El Chespirito, o pequeno Shakespeare, provou que a humildade pode desbancar qualquer soberba; que existem ouvidos para a voz dos latinos; e que o mundo é pequeno para um garoto que oito anos, cujo lugar mais longe que visitou foram as praias de seu próprios país.

Os programas criados por Bolaños foram traduzidos para mais de 50 idiomas em todo o mundo e ainda hoje, 45 anos após sua estreia, é regularmente transmitido em mais de 20 países.

Sem querer querendo, Roberto Gomez Bolaños arrebatou os corações de centenas de milhões de pessoas, arrancou-lhes risos e lágrimas e deu-lhes esperança em um mundo melhor.

Se me permitem fugir à formalidade do texto, preciso dizer que cada letra aqui escrita foi regada a lagrimas do mais puro saudosismo. Desde minha infância, Bolaños foi o sujeito que mais quis conhecer na vida, apenas para um aperto de mão e um agradecimento. Ele arrancou risos dos meus avós, dos meus pais e de mim, e com certeza arrancará risos dos meus futuros filhos e netos, caso venha tê-los algum dia.

“Prometemos despedirmos
sem dizer adeus jamais,
pois haveremos de nos reunirmos
muitas, muitas vezes mais.”

Vai-te em paz, Chavinho. Dentre tantos risos, hoje finalmente você me arrancou lágrimas.

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