O Boicote à Globo e os Revolucionários de Mesa de Bar

“A Globo mente”, “a Globo manipula”, “a Globo aliena”, “a Globo não presta”… essas e outras frases tornaram-se comuns de uns tempos para cá na internet. É fácil ver pessoas usando as redes sociais para exporem suas revoltas contra a Rede Globo, a TV aberta brasileira ou as mídias de massa em geral. Entra ano, sai ano e o discurso dos revolucionários de mesa de bar é sempre o mesmo: “eu não assisto TV aberta por N fatores!” E assim se vangloriam, se colocam acima dos demais, como se, ao negar este passa-tempo, estivessem realmente fazendo um bem à sociedade ou à si mesmos. E, diante de tantos problemas no país, eis que surge, na última semana, uma inocente (para não dizer ‘ignorante’) campanha de boicote à Rede Globo. E coloca inocente nisso!

Que a TV é cheia de inutilidades, isso não dá para negar. Realmente existem programas horríveis, baixaria, imoralidades, promiscuidades, jornalismo tendencioso e diversos outros defeitos. Mas onde não encontrar tais problemas? A literatura, a rádio, o cinema e, principalmente, a internet estão cheios de coisas deste tipo. Temas, aliás, que sempre existiram e sempre existirão, independente da época, do lugar, ou da mídia predominante. Caberá sempre ao espectador/usuário escolher.

Eis que, diante da última polêmica da TV, o suposto estupro do Big Brother Brasil – que, diga-se de passagem, não contou com acusação da própria vítima – alguns internautas se mobilizaram e começaram uma campanha para boicotar a Rede Globo. E daí surge a pergunta: porque somente a Globo? Não, a intenção aqui não é defender a Globo, mas abranger horizontes e apontar erros, tanto da tal campanha quanto dos pseudo-revolucionários que a criaram ou que a ela aderiram ignorantemente.

Mas, antes de mostrar o porquê da inocência da campanha, vamos esclarecer alguns fatos que os militantes anti-TV parecem desconhecer.

A TV brasileira – já uma senhora de 62 anos, muito mais velha que as de muitos países europeus, asiáticos e latino-americanos – é considerada uma das melhores do mundo. Não, não é exagero. Nossas produções dramatúrgicas são as mais premiadas lá fora; nossas séries telejornalísticas são indicadas em diversos festivais ao redor do globo; e até nossa publicidade é líder nos festivais lá de fora.

Mesmo assim, ouve-se por aí que a TV aberta no Brasil “não presta”. Então fica a pergunta: a TV fechada “presta”? Canais como NatGeo, Discovery e History Channel passam documentários extremamente tendenciosos e sensacionalistas sobre alienígenas, apocalipses, maçonaria, Illuminatis modernos e diversas outras babaquices, apresentando-se, cada qual, como se fosse a verdade absoluta! Até mesmo programas sobre História, como alguns da Segunda Guerra, abordam vieses absurdos que, com um mínimo de senso crítico, são facilmente rebatidos. E se nossas novelas são alienadoras e inúteis, o que são os enlatados americanos da Fox, Warner, Sony ou Universal? Com certeza são de cunho altamente moral e cultural e totalmente compatíveis com a nossa realidade, não?

E se a nossa TV é tão ruim assim, o que dizer das emissoras lá de fora? Possuem a mesma programação e o mesmo estilo. Caso não saibam, nenhum dos atuais reality shows – BBB, Lar Doce Lar, Lata Velha, Acorrentados, A Fazenda etc – são criações brasileiras. Todos são programas importados ou copiados. Alguns da Europa, outros dos EUA. Até mesmo as mais clássicas atrações do genial Silvio Santos são cópias exatas de velhos programas norte-americanos, como Roda a Roda, Show do Milhão, Topa ou não Topa, Qual é a Música… Ou seja, lá fora têm a mesma programação que temos aqui.

Outro argumento usado é o jornalismo tendencioso e, por muitas vezes, mentiroso. Dois erros não fazem um acerto, no entanto desde que Gutenberg criou a prensa, os jornalistas publicam apenas aquilo que lhes convém! Não apenas a imprensa televisiva, mas também a radiofônica e a digital são tendenciosas. Tendo as TVs abertas uma concessão pública para se manterem no ar, acham mesmo que elas iriam desagradar os governantes, os mesmos que detêm o poder de cortar-lhes o sinal? Dizer que mentem é difícil, mas é certo que omitem muito daquilo que lhes convém. Suas existências dependem disso, seja Globo ou SBT, Record, Band ou RedeTV!. Agora, voltando àqueles que dizem não assistir TV aberta: que telejornalismo devem assistir entre os canais fechados? Record News? Band News? Globo News? Não, não há ingenuidade nestas perguntas, pois já é fato sabido que muitos responderão buscar informações na internet. Talvez no G1 ou no R7.

Alguns dizem que a TV aliena, que a programação sem conteúdo satisfatório amolece o cérebro e impede que o telespectador desenvolva o pensamento. Ora, quem não está com a TV ligada, está passando o tempo onde? No Facebook, com seus milhões de Luizas que estão no Canadá? Ou no Twitter, divulgando inutilmente suas opiniões e pensando fazer uma revolução só porque colocaram uma hashtag no topo da lista de discussões? Se a TV inibe o pensamento, as redes sociais geram pensamentos inúteis.

Pois bem, dada essa rápida resolução, voltemos à focar na campanha citada inicialmente e à pergunta: porque a Globo? Se há conteúdo de má qualidade em todos os setores e mídias e, mesmo tendo escolha, o povo sempre busca as inutilidades, porque é sempre a Globo que é pega para Cristo e condenada acima das demais? Estas perguntas são extremamente pertinentes diante de programas como Pânico e Brothers (RedeTV!), Domingo Legal, Ratinho e os extintos Sabadão e Cockteil (SBT), A Fazenda e Gugu (Record) e Brasil Urgente (Band). Então, alguém sabe responder porque o ódio à Globo se destaca?

Outro ponto importante e que poucos parecem conhecer é com relação ao decreto de 1963 (que se tornou lei com a constituição de 1988), que exige que toda a operadora de radiodifusão do país tenha, no mínimo, 5% de sua programação voltada para cultura, informação e educação. Vocês sabiam, caros revolucionários, que todas as emissoras burlam esta lei, aproveitando de suas brechas e colocando no ar apenas noticiários, não importando se são tendenciosos ou sensacionalistas? Das 5 grandes emissoras abertas no Brasil, a Globo é a única que cumpre a lei, colocando no ar programas como Globo Universidade, Globo Ciência, Globo Ecologia, Ação, Globo Rural e Tele Curso 2000, além das pequenas e constantes inserções das séries Sagrado, Globo Amazônia e Se Liga Brasil, feitas em parceria com o Canal Futura (que também pertence às Organizações Globo). Algum de vocês já assistiu  a programas deste tipo na Record, no SBT, na Band ou na RedeTV!?

A Pedra do Reino

E se ainda cabe uma defesa aberta à Rede Globo – contrariando aqueles que vêem apenas futilidades e inutilidades em sua programação – é preciso que se diga: em que outra emissora vê-se adaptações da literatura feitas com maestria, como O Auto da Compadecida, A Pedra do Reino, Os Maias e Memorial de Maria Moura? Ou ainda os premiadíssimos Hoje é Dia de Maria e Capitu?

Mesmo assim, a campanha contra a Globo (e somente contra a Globo) aconteceu durante toda a última semana e agendou o boicote para o dia 25 de janeiro, quarta-feira. O resultado foi óbvio: a campanha falhou! De acordo com os índices do Ibope, a média de audiência da Globo nesse dia foi de 15 pontos, o mesmo valor da terça-feira. Um movimento inútil entre os internautas e de extrema inocência, como já foi dito no início deste texto.

De acordo com dados do IBGE, apenas 35% da população brasileira possui acesso à internet, enquanto 95% dos domicílios possuem aparelho de TV. Agora, vamos deduzir quanto destes usuários de internet realmente sabem navegar e/ou participar das redes sociais: chutando alto, pode-se dizer que metade, ou seja, apenas cerca de 17,5%. Mesmo se todos estes aderissem ao boicote, isso sequer faria cócegas na audiência da TV aberta. Eis aí a inocência dos criadores da campanha. Ainda pode-se arriscar dizer que aqueles que aderiram ao boicote e não ligaram a TV na Globo no dia 25 de janeiro, foram apenas aqueles que normalmente já não assistem TV.

Hoje é Dia de Maria

Dizem que a facilidade de se conseguir informação e disseminar opinião nunca foi tão grande em toda a História. Difícil é entender que isso não é verdade. A internet não é um veículo de massa (ainda) e está longe de refletir a opinião do povo como um todo. É claro que, usando da rede, pode-se fazer estardalhaço e dar muita dor de cabeça a muita gente. Mas é só. Não mais que isso. E se você pensa que ataques a servidores do governo (como a guerra anti-SOPA) realmente resolvem algo, acredite, você está ledamente enganado. Como foi dito: cria-se muita dor de cabeça, nada mais.

O que o público insatisfeito com a programação deve saber é que a TV não controla sua programação. Quem controla a programação é o próprio público. A audiência é quem escolhe o que estará ou não no ar. Uma audiência ignorante clamará por programação ignorante. Se querem mesmo culpar alguém pelos males da nossa TV, culpem a parca educação deste país!

Agradecimentos ao Ígor, administrador do site Todo Canal, que gentilmente cedeu as informações sobre os índices de audiência desta semana.