Em Busca do Reinado e de Uma Fantasia Imparcial

Imagine um mundo pós-apocalíptico e falido, vítima da 3ª Grande Guerra Mundial, onde a água potável é um bem escasso, caro e altamente cobiçado pelas pessoas. Agora mude completamente sua imaginação e pense em uma terra inóspita, repleta de florestas e campos verdejantes, montanhas e rios abundantes. Mesmo que contraditórios e tão contrastantes, estes são os ambientes por onde se passa a aventura do jovem Bruno, protagonista do épico juvenil Em Busca do Reinado: O Diamante Azul, escrito por Juliano Reinert e publicado este ano pela Editora Pistis.

Escrito ao longo da última década, o livro mistura fantasia medieval com a temática ecológica, unindo o estilo tradicional da fantasia europeia com um futuro distópico de nosso próprio país. Nessa mistura sensata, Reinert nos apresenta Bruno… apenas Bruno: um jovem órfão de guerra, sem sobrenome, sem um passado relevante para aqueles que o rodeiam, sem identidade em meio ao caos que se tornou a humanidade após uma batalha de proporções globais. Apesar das amizades e da personalidade cativante, o personagem é apenas mais um trabalhador que luta para ganhar a vida e manter abastecido seu pequeno e extremamente necessário estoque de água.

O cenário inicial é a cidade de Joinville, no Sul do Brasil, assolada pela seca e pela guerra. No entanto este ambiente catastrófico é apenas um grande epílogo para a aventura do protagonista. Por sorte ou por destino, Bruno é conduzido para um mundo paralelo, bem diferente da realidade em que vivia em nosso próprio planeta. No mundo fantástico de Tedawer Lorcb, o jovem órfão faz amizade com Osnegrion, um velho enigmático que vê no garoto a esperança de salvar seu reino.

Apesar de tão diferente de nosso próprio mundo, Tedawer Lorcb possui uma grande semelhança com o futuro criado por Reinert. Ali também, naquele ambiente mágico e medieval, está ocorrendo uma longa guerra, que há anos vem destruindo os povos da região. Um combate sem fim, que já dura gerações e que precisa ser encerrado antes que um mal ainda maior venha a acontecer.

O maior trunfo da história, no entanto, é sua imparcialidade.

Juliano Reinert em noite de lançamento do livro / foto: Eberson Theodoro

Talvez por ser jornalista, Juliano Reinert trouxe para Em Busca do Reinado uma visão acadêmica da imparcialidade de sua profissão. É fato que a imparcialidade não existe na imprensa ou no indivíduo, mas é o ideal do jornalista sempre abordar um tema por diferentes vieses, ouvindo e dando espaço para todas as versões do acontecimento.

Ao cair em um mundo desconhecido, em meio a uma guerra da qual não faz parte, Bruno se torna um personagem à parte de toda a situação. Pode, portanto, ver o fato pelo “lado de fora”. Dessa maneira, Reinert cria um conflito sem a dualidade maniqueísta do bem e do mal. Durante a aventura do protagonista, descobre-se aos poucos que os dois lados da guerra possuem motivos para se odiarem, possuem crenças para se acreditarem corretos e legítimos defensores da verdade.

O autor nos apresenta reinos cujos líderes e cidadãos estão convictos de que devem aniquilar o inimigo, enquanto nós, leitores, entendemos que ambos estão errados. Osnegrion guia Bruno pela razão, mas deixa que o jovem aprenda com a emoção, dando ao protagonista um arco dramático ao longo de toda a sua viagem pelo grande reino de Tedawer Lorcb.

Nada mais cabível para o atual cenário em que vivemos. Claro que não era a intenção de do autor fazer de sua obra uma analogia do atual cenário político do país, afinal, como já dito, o livro é uma conclusão de anos de trabalho. Mas é impossível não tirar dele uma lição importante: não se pode polarizar a verdade.

O Diamante Azul é a apenas a primeira parte desta grande fantasia. Juliano Reinert pretende publicar o final da história em breve. Resta saber qual será o destino de Em Busca do Reinado.

Ficha técnica:

Título: Em Busca do Reinado: O Diamante Azul
Autor: Juliano Reinert
País: Brasil
Publicação Original: 2018
Publicação Lida: Pistis, 2018
Páginas: 411

Um Brasil Milenar

O esqueleto de “Luzia”, como foi apelidado os restos mortais encontrados em Minas Gerais na década de 1970, foi datado com cerca de 12 mil anos de idade. É o mais antigo esqueleto do país e prova de que o ser humano já habitava por essas bandas há muito, mas muito tempo mesmo! Mais curioso ainda foi a descoberta feita pelos pesquisadores que analisaram o crânio de Luzia e constataram que ela era uma mulher negra – ou, pelo menos, tinha fortes características da estrutura óssea do povo africano.

Neste momento você deve estar se perguntando: será possível que tribos da África atravessaram o Atlântico em canoas e vieram às Américas antes mesmo dos atuais povos ameríndios, que chegaram por aqui vindos da Ásia? A resposta para essa pergunta pode ser encontrada em 1499 – O Brasil Antes de Cabral, escrito pelo jornalista da Folha de S. Paulo, Reinaldo José Lopes. O livro, publicado em 2017, parte do mistério de Luzia e se envereda por diversas outras curiosidades da arqueologia e paleontologia brasileiras, descrevendo várias descobertas sobre a pré-história sul-americana e desmistificando muito do que é popularmente conhecido pelos brasileiros.

Se na escola se aprende sobre índios preguiçosos e sociedades pacíficas habitando o continente de tal forma que pouco ou nenhum rastro causavam na natureza, em 1499 Lopes mostra uma outra visão, menos apática e muito mais instigante do que realmente eram estas terras antes da chegada dos portugueses e espanhóis.

Os habitantes nativos da América, principalmente da Amazônia, remodelaram muito da paisagem ao seu redor. Segundo o livro, as florestas encontradas por Cabral não eram tão naturais como os portugueses imaginaram, tendo muito de sua flora modificada pela ação humana ao longo de milhares de anos. E o mesmo pode ser dito do solo e, em alguns casos, até mesmo do relevo – canais e ilhas artificiais, solos cultivados e ricos em nutrientes, estradas e fortalezas, além de uma rica e colorida arte cerâmica, capaz de fazer inveja à porcelana chinesa.

A idéia de que os índios brasileiros não modificavam seu ambiente cai por terra após as recentes descobertas, que mostram vastas sociedades e uma longa rede de comércio entre diversas tribos ao longo de todo o “berço explêndido” onde viria a se deitar o Brasil.

Aproveitando os avanços da ciência, Lopes ainda pauta seu livro em pesquisas genéticas, linguísticas e antropológicas para traçar uma linha do tempo de diversas civilizações que habitavam as regiões que hoje compõem nosso atual país e seus vizinhos – e demonstra que sim, a vida por aqui era muito agitada antes do descobrimento; e não, os antigos inquilinos dessa pátria pouco tinham de pacíficos e nada de reticentes com a dominação européia de suas terras.

Ao longo do texto, Lopes conversa diretamente com o leitor, sempre com bom humor e simpatia, usando de trocadilhos e tiradas engenhosas para traduzir muitos dos termos técnicos usados na ciência. Mais que despertar a curiosidade, e mesmo que não seja a intenção do autor, a obra instiga um certo patriotismo ao expor a grandiosidade por trás deste gigantesco pedaço de continente que hoje nos cabe.

Se o Brasil não possui um mito fundador, como tantos outros países mundo afora, talvez, com 1499, seja possível ter um gostinho do que viria a ser este complemento histórico, dando ao país um passado extra e, ao povo, uma extensão da personalidade coletiva que nos une como nação.