Morte in Live!

A resenha abaixo foi apresentada na disciplina de
Produção Executiva do 6º semestre do curso de
Rádio e Televisão, em 2009. A nota recebida? Integral!

Uma câmera rápida e tremida percorre rosto a rosto alguns produtores de TV reunidos em discussão. Cada um deles sugere algo, expõe uma opinião. São idéias para um novo programa televisivo: mais um realily show de uma pequena rede de TV aberta norte-americana. Liderando estes produtores está Katy (Eva Mendes), uma produtora executiva que venderia a própria mãe para conseguir ser original e arrematar os maiores picos de audiência – conseqüentemente, um maior lucro com os patrocinadores. Em meio à discussão, recheada de idéias mirabolantes e contextualizadas com exemplos de realitys já existentes, uma jovem produtora sugere, em tom de brincadeira, que o macabro jogo da Roleta Russa seria um ótimo tema a ser transformado em show; uma idéia absurda, mas que é prontamente acatada por Katy. Eis aí o início de Live! (EUA, 2007), do diretor Bill Buttentag, que em sua trajetória expõe a saga de Katy para colocar seu polêmico e inovador programa no ar.

O filme todo é contado como um falso documentário, a ponto de o próprio cinegrafista fazer as vezes de personagem. Ou mesmo deixando que Eva Mendes roube-lhe a câmera e filme ela própria algumas cenas. Uma linguagem interessante que serve para passar uma impressão de veracidade ao espectador (não, não se parece com Bruxa de Blair), além de contrapor uma linguagem tipicamente cinematográfica (a documental) com sua rival menos quista (a da TV).

O longa discorre por todo o árduo trajeto de uma produção de TV, do papel até sua entrada no ar, passando por toda a labuta da produção executiva e seus confrontos com os órgãos reguladores, a opinião pública, a cúpula da própria emissora e, principalmente, os patrocinadores. O advogado do canal reluta, os patrocinadores se negam a se associarem a uma morte transmitida ao vivo e em forma de show, manifestos são feitos pela população na porta da emissora. Porém Eva Mendes não deixa cair o ânimo de Katy, interpretando-a de maneira decisiva, totalmente focada em sua meta. E é aqui que Guttentag começa sua forte crítica à maneira televisiva de angariar audiências a qualquer custo, mesmo que o preço seja uma vida humana.

O filme mantém uma posição clara sobre o consumismo, o poder da mídia e os limites que os executivos estão dispostos a quebrar em nome do dinheiro. Em lugar de mostrar a violência como algo desnecessário e tentar passar um fundo moral conservador, o longa usa das mesmas artimanhas da TV, mostrando a violência real como atrativo, como sendo esse o gosto predileto do público. E abusa desse tema para conquistar a tensão do espectador.

Katy só consegue convencer os demais quando primeiro convence os meios comerciais. Se haverá lucro, então haverá programa. A produtora finalmente coloca seu programa no ar e aí surge o principal contraste com o cinema: da câmera tremida e a iluminação natural do documentário, passamos à estabilidade dos quadros do programa, com sua iluminação bem planejada e colorida. E se antes a tensão era passada pelo movimento da câmera, agora ela é comprada pela emoção ao se assistir os depoimentos dos participantes, todos em busca do prêmio de 5 milhões de dólares. Porém apenas 4, dos cinco concorrentes, sairão ricos dali. O quinto terá sua vida decidida pela sorte, pois morrerá ao vivo, puxando o gatilho contra sua própria cabeça.

Se existe uma mensagem em Live!, ela não é nada otimista, pois ao fim, é a falta de escrúpulos quem leva a melhor e, mesmo quem parecia contrário a tudo isso, acaba por se envolver na trama consumista da TV. E chaga-se à conclusão de que, se a TV, em seus telejornais, tornou a morte tão banal, o próximo passo seria transformá-la em um show lucrativo. Live! nos mostra que não estamos muito longe disso.

4 respostas em “Morte in Live!

  1. Cara! Que texto ótimo, meu amigo! Putamerda (desculpa o palavrão). Tô sem palavras.
    E o melhor de tudo, é que esse filme e suas palavras retratam exatamente o que eu penso, sinto e vejo.
    Guardei a dica e parabéns pelo texto.

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