Dostoievski, considerado o maior gênio da literatura mundial, é um autor difícil. E quando digo “difícil”, não me refiro à arcaiquicidade de seus textos, nem seu rico vocabulário ou mesmo aos 130 anos que nos separam. Até porque tais abordagens não são problemas, afinal seu texto é corrente, seu vocabulário não é tão difícil e a época em que a história se passa poderia muito bem ser a nossa própria. Logo a dificuldade recai sobre o ideário de sua obra, sobre os fatos que nela sucedem ou sobre o significado escondido por trás de cada palavra, presentes ali por um propósito não explicado na narrativa e que deve ser entendido pelo discernimento do leitor. É esse o caso da narrativa feita por Alexis Ivanovitch, protagonista do livro “O Jogador”, onde, por muitas vezes, a loucura e o vício do personagem nos passariam despercebidos, não fosse o bom senso do leitor para discerni-los – publicada em forma de diário, possui apenas o ponto de vista do narrador, o que faz com que sua corrupção seja mostrada de maneira natural, sem críticas ou ressalvas.
De maneira peculiar e até mesmo com certo mistério, o diário nos conta um pequeno intervalo de tempo na vida de uma tradicional e falida família russa (apenas algumas semanas de uma longa viagem pela Europa). Durante a viagem, o general, chefe da família, conhece e se apaixona por mademoiselle Blanche, uma francesa 30 anos mais jovem que ele e com passado duvidoso. Apesar de ainda manter a pose, apostar alto na roleta e se hospedar com toda a pompa num dos mais caros hotéis de Ruletenburg, o general está falido. Sem dinheiro e com seus bens todos penhorados.
Enquanto Alexis se perde de paixões pela enteada do general, Paulina Alexandrovna, e se humilha diante dela para provar todo o seu amor, o general, desesperado, espera apenas a notícia da morte da avozinha, uma magnata russa dada como caquética e moribunda, para que, com sua herança, ele possa finalmente desposar a interesseira Blanche. É nesse intere que, vendo-se sem dinheiro, Paulina obriga Alexis a jogar por ela na roleta, oferecendo em troca metade dos ganhos.
Eis que, para a surpresa de todos, Antônia Vassilievna, a avó, cuja morte todos esperavam com ansiedade, surge no hotel, viva, extravagante, exagerada e sem papas na língua! Curiosa com os cassinos e a tão famosa roleta, a velha perde todo o seu dinheiro, ficando apenas com as propriedades que lhe restavam na Rússia. Uma história complicada, cheia de altos e baixos e reviravoltas. Uma ironia do começo ao fim, pode-se dizer.
Entretanto Dostoievski nos conta neste livro nada mais do que parte de sua própria história. Pois ele mesmo, após um período conturbado de sua vida, se torna um viajante da Europa, jogador compulsivo e viciado na roleta de Blanc. “O Jogador” é, portanto, uma história quase autobiográfica, uma sedução a mais do livro, pois não é apenas uma invenção ou criação espontânea e sim um sentimento e uma experiência tirados do mais íntimo recanto da vida do autor.

Fiódor Dostoiévski
Através da visão de Alexis Ivanovitch, o leitor conhece a mente doentia de um jogador compulsivo, fazendo contas complexas e ilógicas (e crendo nelas) para acertar o próximo número ou seqüência onde a bolinha irá cair na roleta. Fica nítida a cada página a maneira como a aposta se torna um círculo vicioso na vida do jogador, fazendo-o ganhar e perder e ganhar outra vez para repor o que perdeu, só para, na rodada seguinte, perder tudo novamente.
Claro que, seguindo sua fama, Dostoievski às vezes demora a cativar o leitor, que precisa de paciência para realmente perceber a corrupção do personagem. Entrar na mente de Ivanovitch, conhecer sua paixão avassaladora, tentar descobrir juntamente com ele o mistério que envolve mademoiselle Blanche e deixar-se envolver pela jogatina é algo que só se consegue após um longo e penoso caminhar, página após página. Porém vale a pena chegar ao final e se surpreender ao descobrir que não existe redenção, apenas o círculo que se fecha e recomeça.
Ficha Técnica:
Título: O Jogador – Do diário de um Jovem
Autor: Fiódor Dostoievski
País: Rússia
Publicação Original: 1866
Publicação Lida: L&PM Pocket, 1998 (Assim como no Drácula, essa publicação também possui vários erros de digitação.)
Pô, Snaga, eu sou um dos fãs literários mais vagabundos que tem. É o famoso leitor que não lê mas gosta só por gostar. Nunca li Dostoievski, mas claro, já ouvi falar, e muito menos esse livro. :(
Pela sua análise deu até uma vontade de ler, não parece ser uma crítica ou algo acadêmico, lembra mais aqueles trabalhos de escola ^^
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Mas a intenção nunca foi ser acadêmico. ¬¬
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Oi, querido.
Acho que ficou boa a resenha. Eu escrevi mais com um olhar na intimidade da alma humana, você foi mais objetivo e isso é que vale na divulgação de livros. Procura lá no Lendo um artigo do André em que ele dá uma aula pra gente de comjo fazer resenhas e etc.
Parabéns pelo blog, volto com mais tempo.
Abraço!
Se quiser visitar meu broguinho :)
http://www.carva1.wordpress.com
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Interessante.
Tenho vontade de ler esse livro.
Já li Crime e Castigo, do mesmo autor, e é meu livro favorito; o próximo livro dele que pretendo ler é o Os Irmãos Karamazov.
Portanto, se você ainda não leu Crime e Castigo, fica aqui a recomendação.
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