Renato Russo: 60 anos do filho da revolução

As favelas e o senado continuam repletos de sujeiras, a constituição continua não sendo respeitada, mas o povo ainda acredita no futuro da nação. As crianças continuam aprendendo a roubar para vencer e o operário da fábrica ainda espera seu dia chegar, sempre em busca de um trabalho honesto em vez de escravidão. A estupidez humana ainda merece ser celebrada, sempre à espera da perfeição.

A poesia punk de Renato Russo, o líder da Legião Urbana, continua atual. Ela não cansa. Ela não morre. O pensamento do roqueiro continua vivo, intenso e ativo. Seu espírito ainda arde no coração de jovens e adultos, mesmo que seu corpo há muito tenha cedido ao cansaço do mundo.

A vida turbulenta do astro da música foi rápida, mas ainda hoje influencia as novas gerações, mesmo 24 anos depois de sua morte. Suas canções ainda estão entre as mais tocadas, mesmo que compostas há três ou quatro décadas. Foram 36 anos de vida, cerca de 20 anos de carreira e apenas dez de sucesso.

Quando fundou a Legião Urbana, em 1982, Renato não dava início apenas a mais uma banda de rock ‘n’ roll, mas um movimento que iria arrastar multidões. “A verdadeira Legião Urbana são vocês”, dizia ele para o público. E ele realmente acreditava nisso.

O grupo era mais que uma banda. Era um projeto muito bem arquitetado. Ao compor, Renato planejava sua revolução pessoal. Do alto do palco, ele colocava em prática os seus planos de combate ao sistema, contra a corrupção, a dor e maldade. A favor do amor e da justiça. Urbana Legio omnia vincit. Legião Urbana a tudo vence. Esse era o lema de seu grande projeto. Se o povo era a verdadeira legião, o povo era invencível, portanto.

Filho da revolução, futuro da nação. Renato acreditava que sua geração, os jovens subjugados pela ditadura militar, fariam a diferença no país do futuro. Antes de fundar a Legião, ainda no final da década de 1970, sob os bigodes dos generais, o adolescente punk questionava a plenos pulmões: que país é esse?

Sob a égide do movimento punk, ele questionou o capitalismo, se rebelou contra o governo ditatorial e compôs os versos ríspidos de sua primeira banda, o Aborto Elétrico. Foi em Brasília, a cidade sem história e sem cultura, que o adolescente rebelde deu início ao grande sonho: ser um rock star. Influenciar pessoas pela música e pela arte.

Ali, na nova capital, ele expôs o tédio, com um T bem grande, de uma geração sem identidade, que buscava viver como em uma propaganda de refrigerantes. Ali ele acusou os policiais de serem assassinos uniformizados, tarados que passam fogo no paí. Brasília foi o palco daqueles que Renato intitulou de Geração Coca-cola.

O grande fã de Bertrand Russell e Jean-Jacque Rousseau nasceu como Renato Manfredini Júnior, em 27 de março de 1960, no Rio de Janeiro. Mudou-se para Brasília aos 13 anos e se consolidou como o maior astro do Planalto Central. Hoje, Renato Russo completaria 60 anos de idade. Suas cinzas descansam sobre o jardim de Burle Marx, mas sua voz ainda ecoa pelo Brasil, seja para atormentar os palácios dos poderosos ou para acalentar os corações dos aflitos.

LEIA TAMBÉM:

A Geração Coca-cola Morreu
Análise da música “Geração Coca-cola”, da Legião Urbana.

O Primeiro Ato
Análise da música “Daniel na Cova dos Leões”, da Legião Urbana.

Índios Frustrados
Análise da música “‘Índios'”, da Legião Urbana.

A Geração Coca-cola Morreu

“Geração Coca-cola” deveria ser proibida e jamais tocada novamente por qualquer banda! Uma das mais desafiadoras canções de Renato Russo marcou uma geração, mas perdeu seu contexto, ficou desatualizada, deixou de fazer sentido. Ouvi-la e cantá-la hoje em dia é pura hipocrisia!

Composta por volta de 1978-9, “Geração Coca-cola” é destinada a um público em específico: jovens que nasceram na ditadura militar, viram a repressão, sentiram a estagnação e lutaram – em segredo ou não – para pôr fim ao governo tirânico dos generais. Era uma época completamente diferente da atual. O restante do mundo se dividia em dois, em uma guerra não declarada, às portas de uma possível aniquilação da vida sob o inverno nuclear. As pessoas tinham motivos para lutar e transgredir. Havia um “inimigo” em comum a ser combatido, a rebeldia adolescente não era sem causa e o povo não apenas clamava por mudanças… eles agiam!

“Quando nascemos fomos programados a receber o que vocês nos empurraram com os enlatados dos U.S.A, de nove as seis.”

Após a Segunda Guerra Mundial, a influência norte-americana sobre os países capitalistas crescia cada vez mais. A cultura pop estadunidense e sua indústria eram literalmente impostas aos países amigos. A marca Coca-cola, que intitula a canção, já estava presente no Brasil desde 1942, mas só ganhou força nacional no início da década de 1970, tornando-se o ícone máximo do imperialismo norte-americano.

Legra original de Geração Coca-cola

No Brasil, a programação televisiva era dominada pelos seriados americanos. Mesmo o horário citado na letra da canção não foi escolhido aleatoriamente. Os períodos da manhã e da tarde tinham baixa audiência (como têm ainda hoje) e, portanto, era bem mais barato para as emissoras de TV brasileiras retransmitirem programação estrangeira que produzir algo original. O “horário nobre” começava (e ainda começa) às 6h da tarde, quando finalmente uma programação nacional entrava no ar, com telejornais, novelas, musicais e programas de variedades. Das 9h às 18h, no entanto, o que mais se via eram os chamados “enlatados americanos”, em referência aos produtos industrializados importados.

“Desde pequenos nós comemos lixo comercial e industrial, mas agora chegou nossa vez, vamos cuspir de volta o lixo em cima de vocês”.

A economia ia bem, porém quase nada era originalmente brasileiro. Indústria e comércio automotivos e alimentícios eram filiais de empresas estrangeiras, que chegavam ao país apenas com a promessa de empregos, pois levavam para fora todo o lucro e seus royaltys. Impulsionados pela publicidade da TV, os jovens consumiam tudo o que era produzido ou importado e assim, levando adiante a máxima latina panem et circensis, o governo tentava acalmar e manejar as massas.

Show do Aborto Elétrico na UnB (1978)

Entretanto era chegada a hora de revidar e aqui começa a coragem de Renato Russo e companhia ao propor, lá em Brasília, debaixo dos bigodes dos generais, “cuspir de volta o lixo em cima” dos repressores. E, dessa maneira, ele intitula sua própria geração como “filhos da revolução”, “burgueses sem religião”, “futuro da nação”… e o título que marcaria para sempre os jovens setentistas e oitentistas: “Geração Coca-cola”.

“Depois de 20 anos na escola não é difícil aprender todas as manhas do seu jogo sujo. Não é assim que tem que ser?”

Era o momento de mudar, de deixar de ser o “país do futuro” para assumir sua posição no presente. Os jovens começavam a se manifestar abertamente. O próprio movimento das Diretas Já aconteceria dali a 3 anos apenas. Os 20 anos de escola, citados na música, podem fazer referência tanto aos estudos em si, quanto ao tempo de ditadura, que já governava por quase duas décadas. E engana-se quem pensa que o verso final desta estrofe é uma negativa: é uma ofensiva indagação.

O “dever de casa” citado logo a frente faz exata referência a essas mudanças, a esse novo modo de pensar, à experiência adquirida com o tempo.

“Vamos fazer nosso dever de casa e aí então vocês vão ver suas crianças derrubando reis, fazer comédia no cinema com as suas leis.”

As crianças criadas pela ditadura militar haviam crescido, iriam se voltar contra seus criadores e debochar das leis que eles criaram. Iriam fazer comédia no cinema com tudo aquilo que estava prestes a acabar.

Primeiro álbum da Legião (1985)

Eles – toda a juventude da época – eram os filhos da revolução. Eram a Geração Coca-cola. Mudaram o país, venceram seu inimigo, derrubaram o mal que os dominava. E prometeram um país melhor daí por diante.

Mas a Geração Coca-cola morreu.

Se renderam ao tempo, ao sistema, ao modo de vida que antes abominavam.

As pessoas que na época ouviam Aborto Elétrico estão hoje com seus 45 ou 50 anos, muito bem vivos, casados, pais de família, ativos no mercado de trabalho. No entanto diferentes, talvez céticos e endurecidos demais para terminar o que começaram há 30 anos atrás.

Os velhos “inimigos” tornaram-se sombras de um passado remoto e os novos parecem se misturar à multidão de tal maneira, que passam totalmente despercebidos. Tão, mas tão despercebidos que, muito provavelmente, você mesmo que agora lê este texto, pode ser um destes novos repressores… só não percebeu isto ainda.

E diante de tanta estagnação, a geração do século XXI parece ter se acomodado. Diz, mas não faz; reclama, mas não luta; clama, mas não busca. Deixe como estar, que talvez um dia alguém conserte! É assim que todos parecem pensar.

E tudo isto justifica a proposta de se proibir a execução da velha música de Renato Russo. Apesar de parecer atual, ela é apenas uma lembrança. Lembrança de tempos duros e tiranos. Mas apenas uma lembrança. E hipócritas são todos aqueles que hoje a ouvem, vibram e se emocionam.

Curiosidade: Geração Coca-cola foi a canção que abriu as portas das gravadoras para a Legião Urbana, quase 3 anos após o fim do Aborto Elétrico. A música foi apresentada à EMI em uma fita demo, pelos integrantes dos Paralamas do Sucesso e, originalmente, possuía um ritmo bem mais suave. Foi somente a pedido da gravadora que Geração Coca-cola ganhou seu arranjo mais pesado. Relembrando este passado, a Legião tocou a versão original da canção no lendário show do Metropolitan, no Rio de Janeiro, em 1994, que deu origem ao álbum “Como é que se diz eu te amo”.

Apesar de composta para o Aborto Elétrico, Geração Coca-cola só veio a ser gravada oficialmente 1985, no primeiro álbum da Legião Urbana.

Leia também as análises de:

“Índios”

Daniel na Cova dos Leões

*ABAIXO SE ENCONTRAM, PARA MAIOR ENTENDIMENTO DO LEITOR, UM CLIP DA MÚSICA E SUA LETRA:

Quando nascemos fomos programados
A receber o que vocês
Nos empurraram com os enlatados
Dos U.S.A., de nove as seis.

Desde pequenos nós comemos lixo
Comercial e industrial
Mas agora chegou nossa vez
Vamos cuspir de volta o lixo em cima de vocês

Somos os filhos da revolução
Somos burgueses sem religião
Somos o futuro da nação
Geração Coca-Cola

Depois de 20 anos na escola
Não é difícil aprender
Todas as manhas do seu jogo sujo
Não é assim que tem que ser

Vamos fazer nosso dever de casa
E aí então vocês vão ver
Suas crianças derrubando reis
Fazer comédia no cinema com as suas leis

Somos os filhos da revolução
Somos burgueses sem religião
Somos o futuro da nação
Geração Coca-Cola
Geração Coca-Cola
Geração Coca-Cola
Geração Coca-Cola

Depois de 20 anos na escola
Não é dificil aprender
Todas as manhas do seu jogo sujo
Não é assim que tem que ser

Vamos fazer nosso dever de casa
E aí então vocês vão ver
Suas crianças derrubando reis
Fazer comédia no cinema com as suas leis

Somos os filhos da revolução
Somos burgueses sem religião
Somos o futuro da nação
Geração Coca-cola
Geração Coca-cola
Geração Coca-cola
Geração Coca-cola

Ver, Ouvir e Sentir Raul Seixas

Cerca de 15 minutos antes da sessão e a sala começa a se encher. É um documentário, gênero pouco quisto pelo expectador brasileiro, e o filme já está em cartaz há uma semana; mesmo assim o público é grande e as fileiras ficam quase todas lotadas. “Por isso que eu gosto de maconha: um tapinha e a gente relaxa por umas três horas”, comenta alguém na fila de trás. “É sério, tem uma ladeira lá onde o carro sobe sozinho. Só soltar o freio de mão e ele vai subindo”, retruca um outro, referindo-se à cidade de São Tomé das Letras. São jovens e senhores, mas também crianças, muito provavelmente levadas pelos pais, burlando a classificação de 14 anos, para que assim conheçam o grande ídolo de suas juventudes.

Dá-se início à sessão e então são mais de duas horas de silêncio entre a plateia, entrecortado apenas pelos risos diante de depoimentos amalucados de Raul Seixas e das histórias igualmente insanas narradas vez ou outra pelos amigos entrevistados no decorrer do longa. E então vem a cena espantosa – não na tela, mas entre os espectadores: acaba-se o filme, sobem os créditos e ninguém se ergue de sua poltrona. Ficam todos sentados a ouvir Gita e a observar a infinidade de nomes que desfilam tela acima sobre um fundo negro. Os projetores são desligados, as luzes se acendem e um aplauso emocionado se inicia, com pessoas gritando o nome de Raul aqui e acolá, diante da tela apagada em uma mera sala comercial.

Raul não morreu. Não há outra maneira de se falar do pai do rock nacional se não plagiando os eternos fãs do rei do rock mundial: assim como Elvis, Raul Seixas não morreu. O baiano continua vivo em cada um de seus sósias, em cada um de seus fãs-seguidores, em suas músicas e agora mais ainda com este excelente filme do diretor Walter Carvalho: “Raul – o Início, o Fim e o Meio (Brasil, 2012).

Walter Carvalho durante entrevista com Caetano Veloso

No decorrer do longa, transitam pela tela vários amigos e familiares de Raul, jornalistas, fãs, estudiosos e as mulheres do músico – muitas mulheres. Estão presentes o escritor Paulo Coelho, os produtores Solano Ribeiro e Nelson Motta, o jornalista Pedro Bial, os músicos Tom Zé, Caetano Veloso e Júlio Medáglia, entre tantos outros famosos e anônimos que, de alguma forma, estiveram presentes na vida do roqueiro baiano.

Durante a produção (durou três anos) foram realizadas 94 entrevistas, das quais 54 estão no longa. Mais de 400 horas de gravações, as quais foram magistralmente editadas e montadas nas pouco mais de duas horas de duração do filme, mostrando não apenas a carreira, mas também a vida pessoal e amorosa de Raul Seixas, além do legado que ele deixou e que ainda hoje arrasta multidões de fãs – fãs, estes, que também estão presentes no documentário, entoando em coro algumas canções do ídolo.

Com O Início, o Fim e o Meio, Walter Carvalho não tenta endeusar Raul. Trata-o como mito, é verdade, e, como mito, também não tenta explicá-lo. Mas ao mesmo tempo, exibe um Raul homem, careta e maluco, amoroso e mulherengo, celebridade e decadente. Aborda as drogas de maneira seca, sem preconceitos, como parte do dia-a-dia do cantor: éter, álcool, cocaína e tantas outras; todas apresentadas pelo amigo Paulo Coelho, que em momento algum se mostrou arrependido por isso.

O que se vê na tela são pessoas entusiasmadas em falar sobre o roqueiro, deleitosas em contar alguma experiência que viveram com Raul. De todos os contatados por Walter Carvalho, a única que não quis ceder entrevista foi Edith, a primeira esposa do astro. Mesmo assim seu depoimento e sua recusa estão presentes no filme, em uma carta lida via Skype pela filha de Raul que mora nos Estados Unidos. As demais mulheres expõem um Raul conquistador e apaixonado. E nenhuma delas esconde o afeto e a saudade que ainda sentem por ele, mesmo quando contam sobre as traições e o fim do relacionamento. “Ele tinha um hálito doce”, comenta uma delas, saudosista. “Ele cheirava à flores”, suspira uma de suas amantes.

Entre materiais inéditos (como gravações de quando Raul tinha apenas 9 anos) e depoimentos emocionados, a sensação do espectador não é apenas de rever o ídolo e ouvi-lo cantar, mas também sentir… sentir o quão importante ele foi para o cenário musical da época e para a cultura do país. Toca Raul!!!

Coloridos: A Geração Perdida

No começo da década, a moda dos engajados era falar mal do movimento EMO, que começava a se destacar no Brasil, em meados de 2003. Naquela época, já distante do punk dos anos 1970 e 80, o visual da nova tribo urbana chocou o país e foi assunto na TV e nas revistas durante um bom tempo. As roupas escuras e a maquiagem carregada já eram comuns de serem vistas entre os góticos, mas a franja extremamente lisa e, principalmente, as supostas tendências homossexuais fizeram do movimento motivo de chacota. Mas vá lá, eles tinham seu ideal, mesmo que superficialmente herdado da cultura punk. E a música também não era das piores. Pareciam, e isso pode soar estranho, o último suspiro da rebeldia adolescente.

Pois bem, a década de 2000 se estendeu e chegou ao fim, os EMOs foram quase esquecidos, a comodidade tomou conta da nova geração e, agora, tudo o que se vê é um movimento vazio, sem ideais, onde o legal é ser bonitinho, bem arrumado e… só. Já não se usam mais jeans rasgados, nem roupas escuras ou acessórios de metal. Agora o bonito é usar roupas coloridas, em tons ofuscantes, que quase chegam a brilhar no escuro; óculos gigantes e cabelos extremamente lisos, penteados em mechas coladas à face (talvez um resquício da franja dos EMOs). Até aí tudo bem, afinal a moda é viva e está em constante movimento – na época dos Beatles, ser rebelde era usar aquele cabelinho de cuia. O problema verdadeiro está no que pensam estes jovens. Eles são rebeldes? Se sim, contra o que levantam sua rebeldia? Porque não se vê movimento algum exigindo que algo mude, cresça ou evolua. Não se vê nenhum jovem lutando por seus ideais, não se vê nenhum adolescente exigindo um governo melhor, mais igualdade, mais amor, fraternidade, paz, liberdade… O que se vê é apenas um rebanho colorido que ouve o que é imposto pela mídia, sem questionar ou procurar meios de fuga – o que é extremamente assustador, afinal, em tempos de internet livre, qualquer um tem acesso a qualquer coisa, e há muita coisa boa na internet que não ganha espaço por falta de público.

Woodstock - 1969

Talvez a geração mais velha esteja ficando um pouco quadrada, antiquada. Isso é o que se ouve de algumas pessoas, como justificativa à rabugice dos mais velhos diante do novo. Talvez seja mesmo verdade. Afinal, música ruim, bandas e cantores ruins sempre existiram. Basta ver o início da década de 1990, quando o pagode e o axé tomaram conta do país e vingaram por muitos anos. Ou os meados da década de 1980, quando o brega prevalecia nas rádios. Se voltarmos um pouco mais no tempo, teremos ainda o embate entre os “engajados” e os “alienados”, a MPB e o “Ieieiê”. Jovem Guarda, convenhamos, eram os Restarts daquela época. O público ia ao delírio ao ver aquelas imitações mal feitas dos astros estrangeiros. No entanto existia a alternativa que vinha dos Festivais de Música, com Chico, Gil e Caetano; ou dos palcos do rock que ganhavam seu espaço na década de 1980, com Raul, Legião, Engenheiros, Paralamas etc. Até mesmo quem subia no palco pra fazer graça e falar besteira, tinha lá seu quê de genialidade. Basta ver os Mamonas, que misturaram baião nordestino com heavy metal, como na música “Jumento Selestino” por exemplo, que tem um arranjo fantástico, onde guitarra, bateria, triângulo e zabumba se fundem de maneira incrível! E além do mais, eles não queriam fazer bonito pra ninguém. A intenção deles era troçar mesmo! E agora percebam a decadência: há algum tempo existiam “legionários” e “malucos beleza”. Hoje existe a “família Restart”.

Hoje ainda temos todos esses antigos astros que foram citados. Até Roberto Carlos abandonou o Ieieiê e se tornou o rei da música brasileira e não se deve tirar dele esse mérito, afinal ele soube crescer. No entanto todos esses já são velhos, já “escreveram e já fizeram a sua história”, como já disse Julinho Marassi em sua música mais famosa. Ainda estão aí, mas pertencem a outro tempo. Seus legados ainda são grande influência, porém para alguns poucos seguidores fiéis. O grande público ignora seus feitos ou repudia suas revoluções propostas a cada canção que cantavam – talvez nem mesmo seja capaz de interpretar uma letra de Humberto Gessinger ou Renato Russo.

Chico Buarque e Milton Nascimento No Woodstock Mineiro - 1977

Antigamente, como bem ficou provado acima, existiam coisas boas e ruins. O que era ruim se perdeu, mas o bom continua vivo ainda hoje. O que se pergunta aqui é: o que há de bom hoje em dia que não seja resto ou reflexo do passado musical recente do país? Temos Restart, Cine, Fiuk, Luan Santana… E qual é a alternativa? O sertanejo, que não foi citado nesse compêndio, ainda se salva com Victor & Léo. Mas e o rock? Quem se contrapõe a esses coloridos? NXZero? E a MPB? Maria Gadú?

A atual geração estagnou-se em um mundinho supostamente perfeito, de uma classe média inerte e classes pobres trazidas no cabresto do assistencialismo. É mais legal fazer parte da massa do que ser o diferente que luta por seus ideais.

A verdade é que precisamos de uma nova crise. Uma nova revolução. O mar calmo não desperta atração, é apenas uma lagoa gigante. São as ondas que o deixam belo! Foi a repressão da ditadura que gerou os grandes do passado. Será que precisamos de uma nova ditadura ou de um péssimo governo para despertar os gigantes do nosso tempo também?